segunda-feira, 31 de dezembro de 2007

O último dia do ano - pronto pra recomecar

Depois de uma noite de muito calorenta em Mendoza, acordei bem cedo. Era preciso conhecer Mendoza. Caminhar...

Estava cansado depois de alguns dias sem dormir direito e de ter, pela primeira vez, saído à noite durante esta viagem, mas queria conhecer a cidade. Queria circular pelo lugar sentir seu povo.

Às nove me levantei, mas deixei pra sair perto de meio dia. Caminhei por um tempo com Cèdric em busca de uma lavanderia para ele e, depois, quando ele voltou pro hostel, segui minha caminhada.

Foram quatro horas e mais de 12 km de andancas. Resolvi ir até uma colina um pouco distante da cidade com o intuito de ver a cidade de cima e de ter contato com a cordilheira dos Andes.

Ao chegar no pé da colina, percebi que o espaco estava tomado por um condomínio fechado de casas de luxo. Fiquei pasmo ao saber que para visitar um patrimônio pertencente à cidade, era preciso falar com os segurancas do condomínio. Mas, nao desisiti. Depois de caminhar tanto, teria que ser recompensado.

Da entrada do condomínio até o topo do "cerro", mais uns dois quilômetros. O sol era muito quente. Eu tinha uma sensacao de que a cabeca estava comprimida, de sufocamento...

Perto de 5h consegui chegar no hostel. Nao parecia estar bem... sabe aquele jeito quando a gente come algo que provoca certos revertérios? Pois é... parecia que a comida do dia anterior comecava a fazer efeitos indesejáveis.
Evidente, busquei aquilo que mais precisava naquele momento e fiquei rodando pelo hostel,conversando com o pessoal que está aqui, que é muito divertido, até que encontrei com Javier, un ator, também administrador de empresas que agora trabalha no ministério da economia da Argentina.

Por muito tempo, ficamos falando da política em nossos países e das contradicoes de nossos governos. Mas um com quem pude conversar as contradicoes dos pseudogovernos de esquerda na América Latina neste momento da história.

Para ambos, de alguma forma temos esses governos é uma forma de relativizar os projetos neoliberais que faziam de nossos países espacos de subserviência mundial, lugares de mera exploracao estrangeira, sem políticas sociais ou alguma preocupacao que seja com as populacoes. Com esses governos, de alguma forma, os discursos de direitos humanos, de republicanizacao... comecou a ser feito de alguma forma diferente da maneira como se fazia antes, meramente privada, a partir de uma relacao doméstica.

Em seguida, comecei a falar um pouco com Germain e fui tomar um banho. Queria comer e sair em busca de um lugar onde pudesse comemorar o ano novo.

Fui comer e, na volta, convidei Cèdric, que iria ficar só, para caminhar pela cidade até encontrarmos alguma lugar para comemorar a entrada de ano novo. Mas, a rua estava morta. Nao havia quase ninguém. Paramos em um bar e ficamos conversamos. Eu estava muito cansado e me custava falar francês, embora a comunicacao estivesse boa.

De repente, chegaram os três brasileiros com quem compartilhei o quarto em Santiago. Só um deles veio falar comigo, Moisés, os outros me cumprimentaram de longe.

Cèdric e eu ficamos aí e, quando faltavam 5 min. saímos do bar. Eu queria refletir um pouco sobre o ano que passou e pensar em como poderia ser o ano que comecaria.

Por alguns poucos minutos consegui fazer, mas nao como queria, e comecaram tocar sirenes de polícia e de ambuläncia, as pessoas saíam de casa e comecavam a soltar fogos...

Apenas cumprimentei Cèdric e continuamos andando. Queria pensar... nao consegui. Apenas consegui perceber que a entrada de Ano Novo teve uma beleza diferente, serena, tranquila... era bom, mas era como eu nao esperava.

Chegamos ao hostel e algumas pessoas estavam bebendo e escuntando música, dancando... esperando o melhor momento para irem a outro hostel onde tinham uma festa de ano novo.

Vim para o computador e comecei a escrever, ao tempo em que entrei no msn e encontrei Verónica, minha amiga argentina casada com Dieter, um amigo norte-americano. Conversamos um pouco e ela se foi. Precisava trocar as fraldas de sua filha Sofía e colocá-la para dormir.

De qualquer forma, para mim, foi incrível, depois de anos sem conversar, poder
falar com Verónica e verificar que nossa amizade ainda existe. E tudo ocorria exatemente, no dia em que serenamente estava só, mas nao solitário, numa entrada de Ano Novo.

Depois que todos saíram, ficamos Maury (o cara que trabalha no hostel) e eu conversando sobre música brasileira, pusemos Lenine pra tocar e ficamos vendo fotos de Aracaju e de outras cidades brasileiras. Mauri quer muito conhecer o Brasil e, segundo ele, as pessoas da Argentina amam e admiram o Brasil. Aliás, todo o tempo, eles tratam os brasileiros como "hermanos". Eu, particularmente, nao vejo falsidade nisso. Eles sao sempre muito alegres quando nos vêem, demonstram sua satisfacao em nos receber e conversam sobre o Brasil, querem saber...

Bom, mas com isso tudo o que dizer do Ano Novo?

Eu penso que alegre e tranquilo. Sereno e feliz, como deveria ser a vida.

Parle francais?

Quando o cansaço me fazia acreditar que o dia havia terminado, Germain, Julian e Cèdric (que é um Francês do Tahiti, na Polinésia Francesa - eu jamais havia conhecido alguém do Tahiti), um grupo de franceses que está aqui no Campo Base, em Mendoza, me chama para fazer uma caminhada pela noite da cidade. Eles queriam encontrar um bar para conversar.

Bom, a conversa que havíamos iniciado sobre filosofia, sobre Michel Foucault, sobre a modernidade, sobre direitos humanos, estava tao interessante que resolvi abrir uma excecao quanto a nao sair durtante a noite para continuarmos a conversa. Essa também era uma boa forma de praticar francês e, claro, de conhecer mais pessoas. Ainda mais pessoas tao legais, ansiosas, como eu, por conhecer as culturas dos países latinoamericanos. E, melhor, nada semelhantes a Olivier, o francês que encontrei em Santiago.

Durante mais de 30 min. caminhamos pelas vias mendozinas com movimento até encontrarmos um lugar legal para ficarmos. Os meninos queriam tomar cerveja e, eu, como nao bebo, queria interagir e construir novas amizades. Estava cansado dos dias em que praticamente estive só em Santiago, quase sem conversar, sem encontrar pessoas interessantes com quem pudesse compartilhar momentos da vida.

Falávamos de filosofia, de compreensoes de mundo, de drogas, de comportamentos ocidentais em relacao ao mundo, de ética... falávamos da vida e do modo como as populacoes ao redor do mundo "dialogam" sobre o meio ambiente e como os governos se desresponsabilizam pelas questoes de interesse mundial.

Cèdric parecia querer falar especificamente sobre este tema porque o lugar onde vive é espaco de testes nucleares franceses.

Ao observ´-lo, me parecia muito estranho saber que se é cidadao de um país, mas o lugar onde vive é mantido em condicoes suficientes para ter esta condicao de cidadao negada. Afinal. que espécie de igualdade perante a lei viogora na Franca que permite que certos cidadaos, de certas partes de seu "território" (cidadaos d'otre mer), merecem a contaminacao ou a possibilidade de contaminacao por testes nucleares?

Nao sei se esta é a prova da existência, também em países cujo processo de modernizacao se aprofundou mais, como a Franca, de categorias e níveis de importância entre os cidadaos.

Se esta nao é a ideologia que vigora em termos formais, absorvidos pela lei, pelo menos, sao os termos ideológicos sob os quais se apresenta a reparticao dos cidadaos franceses. Nao sei como se tratam as pessoas da Martinica, na ilhas Maurício, na Córsega... mas, pelo que Cèdric me contou a França, pelo menos para o Thaiti, pra compensar os testes nucleares, nao cobra impostos e manda muitos recursos. O Thaiti, por exemplo, recebe muito milhoes de euros para continuar sob à égide francesa. Mas, a populaçao de franceses, que representa 5% de sua populaçao (os chineses sao mais de 10% - foram trabalhar na cana-de-açúcar), vivem em melhores condiçoes que os demais cidadaos.

Talvez, fosse interessante saber como, de fato, a Franca construiu essa relacao de "igualdade".

domingo, 30 de dezembro de 2007

As pessoas têm muito a ensinar

O dia de hoje novamente comecou cedo. Na verdade, o dia de ontem ano terminou.

Quando cheguei da caminhada do dia para Isla Negra, Valparaíso e Viña del Mar, estava cansado, mas havia muitos brasileiros no quarto, como já disse antes. E, por azar, brasileiros que nao estao acostumados a ficar em hosteles mas, sobretudo, a respeitar as pessoas.

Durante todos os outros dias havia muitos brasileiros no HiChile, mas passavam despercebidos porque eram muito discretos. Ontem, no entanto, chegaram muitos brasileiros jovens que pareciam ter conquistado a liberdade pela primeira vez.

Queriam beber, sair, namorar... tudo em excesso. E, era um excesso de mineiros mais falantes do que anunciam as compreensoes clichês sobre a capacidade que teriam os mineiros de falar pouco. Por causa desse clichê, eu sempre me penitenciei por falar demais.

Resultado, nao consegui dormir. Enquanto as pessoas de outros países respeitam a fato de compartilharmos um dormitório coletivo em nao acender a luz, em nao fazer barulho, os brasileiros que ficaram no quarto, nao sabiam o que era isso. A todo momento, vinham para o quarto, acendiam a luz, abriam portas de armários, batiam coisas, embolavam sacos plásticos, abriam e fecham suas mochilas...

Às 5h45 min. me levantei com o sentido de organizar tudo o que precisasse organizar, embora já tivesse feito na noite anterior para nao ter que perturbar os companheiros do quarto muito cedo, e escrever as experiências de ontem.

Quando desci, às 6h30min. tinha outra leva de mineiros que ainda bebiam e conversavam muito alto. Quando um australiano que estava entre eles me viu desperto e pronto para sair a esta hora, veio falar comigo, perguntar de onde era, para onde iria... ao saber que era brasileiro, me apresentou e me deixou com eles.

A partir deste momento, nao consegui a concentracao necessária para escrever, para refletir sobre o aquele dia que ainda reverberava na minha cabeca.

Optei por ir para a estacao de metrô.

Estava fechada, porque, no domingo, abre somente às 8h. Nao sei se ficava alegre ou triste por isso. Por um lado, comemorei o fato de nao ter comprado passagem para o ônibus das 8h, por outro lado, minhas costas doíam à causa do peso das mochilas, estava com fome e cansado.

Bom, mas nada melhor do que uma linda viagem para sanar todos os problemas. Digo um lindo percurso desde Santiago até Mendoza.

O caminho, um sendero por entre as montanhas andinas, algumas com neve no topo, era incrível. Despenhadeiros, subidas e descidas íngrimes, lindas visoes panorâmicas...

Podia esquecer do mundo naquele momento.

Às 15h15min, ou depois de saber que a Argentina adotou, faz alguns dias, o horário de verao, 16h15min., cheguei a Mendoza. O calor era terrível, diferente de tudo o que havia visto até agora. À noite, nao resfria. Parece ser como Foz do Iguacu, um pouco melhorado. Por isso, já estou imaginando o que devo encontrar em Córdoba, em Salta e em Rosário.

Depois de caminhar por cerca de 30min. encontrei um hostel para ficar. Se chama Campo Base e fica na Av. Bartolomé Mitre, próximo à praca da Independência.

De pronto, percebi que o clima era bom. Fui atendido por um rapaz de nome Quico. Muito simpático, comecou a conversar e aí fomos uns 15min. até que me instalei e me pus a esperar para usar o computador.

Fiquei aí por mais de uma hora. Até que, de repente, comecei a conversar com o carinha que estava enviando e-mails e fotos para seus familiares e amigos na Franca. Isso foi suficiente para que ele demorasse ainda mais. Porém, descobri que o cara é muito gente boa. Se chama Germain (da regiao da Bretagne), quase como o amigo que conquistei em Valdivia.

Com ele, compartilhei as minhas inquietacoes sobre o francês que conheci no Chile. Ao mesmo tempo, queria saber se ele pensa da mesma forma que Olivier sobre o mundo, que tudo deve se parecer europeu para parecer bom. Mas, ele foi muito claro ao dizer que essa forma de pensar é idiota, louca, e que nao entendia porque certas pessoas viajam se estao procurando a Europa em todos os lugares.

Gostei da resposta. E, depois de quase uma hora de conversa, gostei de Germain também. Parece ser muito simpático.

Em alguns minutos, quando me pus diante do computador, queria escrever tudo o que era importante sobre os dias anteriores. Estava sedento disso e minhas idéias nao poderiam povoar mais minha cabeca sem se materializarem. Era preciso dizê-las sob pena de perder sua riqueza e suas sensacoes.

Fiquei por quase duas horas escrevendo. Mas, nao me contive em voltar agora da rua e escrever mais.

Era preciso dizer o quanto foi bom sair em Mendoza e encontrar uma feira hippie. À parte a tentativa frustrada de tocar samba (eu gostaria de ouvir eles tocarem sua própria música - os tambores dos Andes, por exemplo), passava por un hippie que expunha seus trabalhos, quando ele comecou a conversar comigo. Ficamos aí um longo tempo conversando, mas o que me marcou foi o início de nossa conversa.

Quando me perguntou de onde era e disse que era do Brasil, me disse que era bom viajar para conhecer as pessoas. E, completou José Carlos (seu nome): as pessoas têm muito a ensinar.

De imediato, me emocionei. Era extamente isso. As pessoas têm muito a ensinar.

Depois, quando lhe disse o propósito de minha viagem, me chamou para ir a sua casa, para passar a entrada de ano novo com seus amigos e com ele. Ir a sua casa, por este momento, nao vai ser possível, mas quem sabe, amanha, no Ano Novo nao nos encontremos.

Esses eram os caminhos de Che. Encontrando pessoas e se deixando levar por elas.

Depois de Isla Negra, Valparaíso e Viña del Mar

Saía de Isla Negra para Valparaíso e Vña del Mar ainda pleno da poesia de Neruda. No ônibus, a cabeca pedia pedacos de papel, a mao tremia de vontade de escrever todas as sensacoes que estava tendo com a descoberta de Neruda.
Ao mesmo tempo, tinha vontade de apenas entorpecer-me daquela sensacao, sofrer por nao escrever até que pudesse dupurar tudo o que havia visto. Como nao tinha mesmo como expressar os pensamentos, olhei a vista e fui deixando a paisagem do pacífico fazer parte daquele momento.
Perto de 14h cheguei a Valparaíso. Como vinha intencionado a pensar que, por ser uma cidade portuária, Valparaíso era uma cidade perigosa, nao descansei. Nao aproveitei o que a cidade tinha para apresentar. Para falar a verdade, foi essa a primeira vez que tive medo durante todo opercurso solitário que venho fazendo e nao consegui relaxar para ver o que a cidade poderia oferecer. Tinha medo de falar com as pessoas na rua, tinha medo de pedir informacoes, tinha medo de tirar fotos...
Mesmo assim, caminhei do tumultuado centro da cidade, tomado de gente devido ao carnaval e as festas de fim de ano que acontecem estes dias em Valparíso, em direcao às colinas de casas coloridas.
Por duas horas rodei por aí até descobrir que havia uma outra casa de Neruda (a Sebastiana). Fiquei com muita vontade ir. Mas, como tinha vontade de ir para Mendoza o mais rápido possível sem deixar de conhecer Viña del Mar, caminhei mais umas ruas e desci para a regiao onde podia tomar um micro-ônibus para Viña.
Evidente que nao era toda essa violência. No máximo, acontecem furtos por aí. Nada de assaltos ou seqüestros relâmpagos, como podem acontecer no Brasil. Mas, o fato de viajar só me deixou temeroso e, nao consegui relativisar a forma como as pessoas retratam Valparaíso. Eu mesmo fui preconceituoso.
Em Vña, me senti mais tranquilo. Percorri uma grande parte da orla, tirei fotos dos castelos alemaes, mas, todo o tempo, me sentia numa cidade norte-americana. Talvez, Miami. Tudo era um luxo só, os carros, os edifícios, as roupas das pessoas...
Caminhei até 18h aí e voltei para Santiago. Queria comprar passagem para Mendoza neste domingo. Nao poderia ficar mais em Santiago, o que, de fato, me faz pensar que preciso voltar para esta cidade e para o Chile de modo que possa conhecê-lo melhor. Agora, através de suas pessoas, nao de seus lugares. Assim, como consigo fazer na Argentina.

De capitán para capitán

Neste sábado, acordei bem cedo para repirar os ares poéticos de que fez uso Neruda.

Ainda com o sol meio escondido, tomei rumo em direcao a Isla Negra, onde Pablo Neruda construiu sua casa.

As nuvens que caco pareciam querer encontrar-se com o mar para o qual Neruda tinha seus olhos voltados.

Durante todo o percurso, a neblina e as brancas nuvens foram companheiras de pensamentos cujo intento era deixar-se inebriar da poesia de Neruda.

Olhando aquilo, me perguntava se era uma forma de presente que o universo me preparava naquele dia. Afinal, era um cacador de nuvens e elas estavam todas aí. Quem sabe, transportando a mao dadivosa e inteligente do velho Neruda ou, como disse, promovendo o encontro das nuvens que tenho encontrado por esta vida com o mar azul e imensa da poesia desse grande Chileno.

Por tempos, quando cheguei a Isla Negra, fiquei olhando aquele mar, a casa de Neruda, as pedras... tentava imaginar como aquelas águas traziam a poesia áquele senhor que, ainda seguia vivo nao só pela escultura de seu rosto numa pedra, mas porque segue lembrado por muitos (como dizem os adeptos do candomblé, alguém está vivo enquanto povoam as lembrancas das pessoas).

Parecia convidado a entrar em sua casa e resolvi aceitar o chamado ao sonho poético de homem que recebia presentes do mar com que adornava a sua casa. Por todos os lados, havia esculturas de proa e de popa de grandes navios, garrafas com réplicas, conchas, dentes de peixes... ainda que nao soubera nadar, sua grande paixao era o mar, eram os barcos. Até garrafas doadas por Jorge Amado, com areia da Bahia com a qual se desenhavam barcos, ele tinha, juntamente com presentes toados por muitos outros poetas, como Gabriela Mistral e poetas franceses.

Fotos de Baudelaire, Victor Hugo, objetos de todas partes do mundo habitavam a casa em formato de barco que, o poeta, com sua própria ingeniosidade arquitetou.

As portas eram estreitas, como as dos barcos, a sala tinha uma mesa redonda para que o capitao jantasse com seus tripulantes e com seus convidados, do lado de fora, um pequeno barco que nunca foi para água e um conjunto de sinos para que o capitao pudesse se comunicar com os barcos que passavam pela costa chilena.

Sobre o barco, local que usava para beber com os amigos, Neruda dizia que nao necessitava ir para o mar para deixá-lo mareado. E, os sinos, ao lado do barco, eram a língua através da qual falava de capitao para capitao.

Neruda era um capitao, segundo ele mesmo, que comandava o seu barco de terra. Da sua cama, posta diante de vidros da direcao nascente/poente, de onde sentia o sol nascer e se pôr, queria ver o mar. Aliás, de todos os lugares onde gostava de ficar, tinha a visao daquilo que o inspirava, o mar, desenhado pelo verde da tinta que, para o poeta, era a cor da esperanca.

Tudo isso me deixava pronto para descobrir o Neruda que nao conhecia além do fato de ter sido comunista, de ter lutado para que o povo do Chile se libertasse, de ter sido Prêmio Nobel de Literatura.

Naquele momento, Neruda me libertava da dificuldade que tenho para a literatura, embora me encante escrever. Neruda me fazia, ao mesmo tempo, ignorante de sua poesia. Neruda me fazia ter consciência de que é preciso mais que a filosofia, do que a sociologia, do que as ciências, de modo em geral, para conhecer a vida.

E, saí daí com as nuvens rondando sobre minha cabeca, mareado do barco que foi a vida e a obra de Neruda. Certo do encontro das nuvens com o mar. Certo do diálogo de capitán para capitán.

Um encontro às avessas

Depois que cheguei da rua na sexta-feira, dia 28 de dezembro, estava muito cansado, mas queria ficar um pouco nos corredores do hostel. Esta era uma maneira de tentar falar com as pessoas, encontrar alguém que pudesse compartilhar algum momento daquele dia.

Por um momento, fiquei assistindo à TV, mas ninguém queria conversar.

Desci e fiquei perambulando... de repente, vi umas meninas que parecia com duas que encontrewi no cerro Santa Lucía. Fiquei olhando..., até que tive a certeza de que eram brasileiras e me aproximei. Nenhuma simpatia brotou das compatriotas. Pareciam aquelas meninas bossais da elite brasileira, mas gostosas e mais bonitas de que todas, inalcansáveis, pela forma como agiram.

Em outro momento, vi passar um cara com uma camisa que ostentava a moda Brasil. De imediato, perguntei se era brasileiro e, quando me disse que sim, comecamos uma conversa.

No meio da conversa, notei que seu sotaque nao era brasileiro e insisti em saber de onde era. Acabou me dizendo que era francês, mas que morava no Brasil. Seu nome era Olivier e trabalhava numa empresa de telecomunicacoes francesa.

Mais um par de horas de conversa e fui descobrindo o cara. Tomei um susto quando, de repente, me disse que o Brasil era um país maravilhoso para viver, mas tinha muitas criancas trabalhando. Quando falamos mais sobre o assunto, ele disse que gostava que as criancas trabalhassem porque, assim, elas nao estariam fazendo outras coisas.

Neste momento, comecei a promover um debate sobre esta visao preconceituosa e sanitarista da crianca pobre. Falei um pouco da história de exclusao social do Brasil, da utilizacao da lei para assegurar os processo de exclusao, da falta de um debate, com alteracao das condicoes de vida, sobre o tema da igualdade e da justica social... falava do trabalho como forma de regular a cidadania em certo momento da história.

Depois de tudo isso, Olivier me sai com uma frase com a qual nenhum ser humano que conhece o mínimo da história de um país como o Brasil ou da maior parte dos países pobres do mundo, pode considerar uma frase aceitável. Ele disse que nunca se poderia sacrificar a estabilidade econômica para que as coisas mudassem. Segundo ele, Lula jamais faria leis que pudessem alterar a imagem do Brasil para o investidor estrangeiro.

Mais uma vez, ponderei algumas coisas, mas percebi que ele já acreditava conhecer suficientemente o Brasil para ter suas próprias idéias. Tudo isso porque já tinha viajado por quase todos os estados a trabalho.

Quando perguntei sobre as pessoas, sobre comportamentos, sobre a vida, evidente, ele nao sabia dizer. Mas, continuava acreditando que conhecia o Brasil.

Ontem, mais ainda, quando, depois que cheguei da longa caminhada do dia, pudemos conversar mais. No quarto em que estava, tinha colocado mais três brasileiros e ele. Toda vez que falávamos sobre as cidades que cada um estava conhecendo, sobre as cidades no Brasil de onde éramos provenientes, ele sempre saía com um preconceito maior que o outro.

Enquanto relatava sobre a minha morada no Nordeste brasileiro e as cidades que aí se encontram, especialmente as cidades que conheco mais de perto como Joao Pessoa, Aracaju, Salvador, ele foi taxativo em dizer que estas Joao Pessoa e Aracaju eram cidades feias, que nao tinham nada pra fazer, que estao entre as piores cidades que conheceu no Brasil, que tem pessoas feias... super-preconceituso.

Pior! Em seguida, comecou a falar que a cidade que ele mais gostava no Brasil era Sao Paulo, que, juntamente com Porto Alegre, estava entre as poucas "civilizadas". E, nao se contentou com os preconceitos. Disse que, na América Latina a melhor cidade era Buenos Aires porque era a que estava mais próxima de uma cidade européia. Para ele Santiago era péssima, a Bolívia era um lugar péssimo, o Peru, o Paraguai nem podia falar...

Sobre o Paraguai, ele me perguntava todo o tempo porque queria conhecer Assuncao. Segundo ele, a cidade é um lixo, as pessoas sao feias, a cidade é feia, tudo é pobre.

Neste momento, notei que para ele o padrao de civilidade e beleza era o padrao europeu e, nao entendi porque percorria a América Latina, com feicoes e cultura tao diversa da cultura européia em alguns lugares.

Enquanto Micheal (EUA), que conheci em Valdívia, era um ser tao especialmente compreensível com as diferencas culturais e étnicas, Oliver só conseguia ver beleza no sul do Brasil e em Buenos Aires.

Evidentemente, nao tenho nada contra o sul do Brasil e contra as pessoas e a arquitetura de Buenos Aires. Gosto desses lugares, gosto das pessoas, acho as pessoas bonitas, mas isso nao significa que nao ache as pessoas de origem indigena, com sua cultura forte e marcante na Bolívia, no Chile, no norte da Argentina, no Peru e outras partes bonita. Cada povo com sua incomparável beleza.

Nao se pode acreditar que alguém seja mais bonito ou viva em uma cidade melhor pelo grau de civilizade e pelo um grau de organizacao em relacao à Europa.

Apesar de tudo isso e de insitir diplomaticamente que era preciso conheceras pessoas pelo que elas sao, ela se dizia um grande conhecedor do Brasil, auxiliado por um outro brasileiro, jovem médico e doutor em medicina, que nao parece ter experimentado tantas experiências de viajar pelo Brasil.

De fato, o rapaz nao concordou diretamente, mas dizia que Olivier deveria conhece melhor o Brasil do que ele que nao tinha viajado tanto por certos lugares no Brasil. E, evidente, Olivier dizia: "é claro. Eu conheco mais o Brasil do que você".

Diante disso, tentava relativizar algumas coisas porque nem mesmo nós que nascemos e vivemos o Brasil, podemos conhecê-lo tanto. Afinal, temos uma complexidade tao grande, uma diversidade cultural e de modos de vida tao grandes que ninguém pode se dizer um perfeito conhecedor de brasilidade. Mas, se alguém conhece mais, esse alguém somos nós brasileiros que sentimos, ao nosso modo, equivocado ou nao, o nosso país. Digo que equivocado ou nao porque ninguém pode ter maior imersao cultural e em nosso modo de viver e em nossas desigualdades, ainda que as perceba de modo diverso, do que nós que nascemos, fomos criados e sentimos a nossa vida passar por este país.

Alguém que estuda o Brasil pode conhecer muito bem o Brasil, também. Mas, nunca poderá vivenciá-lo como nós. E, isso nos faz conhecer, inclusive, como as idéias se colocam na prática.

Isso queria dizer aos companheiros brasileiros que estavam no quarto e ao próprio Olivier. Mas, nao quis ser chato. Apenas, fui mais efusivo em negar as impressoes que ele tinha quando ele comecou a falar mal de Joao Pessoa. Muito claramente lhe disse que já tinha andado o Brasil quase todo e que nunca tinha encontrado gente tao bonita, tao calorosa, tao amiga, como as pessoas que encontrei em Joao Pessoa.

E, completei: Joao Pessoa pode ser uma cidade conservadora, mas tem uma gente maravilhosa. Se isso ele nao teve a oportunidade de conhecer, lamentava muito. Porque um país pode ser melhor conhecido tanto mais se pode conhecer a sua gente.

sexta-feira, 28 de dezembro de 2007

Santiago com outros olhos

Estava decidido a sair do HiChile hoje pela manha. Levantei cedo, organizei as coisas, tomei um banho e desci para o café da manha. Por um tempo, fiquei conversando com alguns brasileiros que estavam aí sobre as viagens que cada um tinha programado na cabeca, ao mesmo tempo em que falávamos um pouco sobre o comportamento das pessoas em Santiago.

Percebemos que as pessoas têm um carinho pelos brasileiros, mas, normalmente, esqueceram a simpatia em algum lugar.

Maurício, quando falei da possibilidade de ir para a Bolívia, foi extremamente preconceituoso. Falava coisas sobre o povo, colocava seu olhar "civilizado" sobre as culturas indígenas bolivianas e, todo o tempo, falava de uma terra sem lei, movida pela corrupcao.

Engracado é que outras pessoas que estiveram lá nao me falaram coisas ruins do país.

Ao mesmo tempo, como percebi que ele reclamava de tudo em hósteis, percebi que é um cara bem elitizado que nao está acostumado com as viagens sem tantos luxos, apesar de achar que ele nao tem tanto dinheiro assim. É manifestacao pequeno-burguesa mesmo.

Quando, normalmente, reclamo, é da forma como as pessoas nos tratam. Nao gosto de tanta formalidade e nao gosto da distância mal-educada. Quem me tratem bem é só o que espero.

Como nao senti esse trato que busco por aqui, iria buscar em outro lugar. Andei ao La Casa Roja, onde tinha feito reservas para estes dias, embora nao tenha ido diretamente para lá.

Resultado, nao havia vagas. Tinha que esperar até às 13h pra saber se encontraria lugares. Por algum momento, pensei em tentar. Ía deixar minha mochila por lá, iria rodar pela cidade e voltaria. Mas, como tinha vontade de ir para Viña del Mar, achei melhor garantir a dormida. Voltei para o HiChile.

Neste momento, conversei um pouco mais com Matias da recepcao e percebi que, neste instante, era um pouco mais simpático.

Mas, nao demorei. Deixei as coisas no quarto e saí. Iria ao "cerro San Cristóbal" de onde poderia ver Santiago inteira sob o olhar atento da Cordilheira dos Andes e depois, queria conhecer o mercado central.

Caminhei uns 20 min. pela Av. Libertador O'Higgins até a rua Pio Nono, onde está a Escola de Direito da Universidade do Chile. Quando ainda caminhava pela avenida, precisei comprar filme para a minha câmera fotográfica. Parei em uma pequena livraria. Aí trabalhava um casal muito simpático. Fui fazer o pagamento e o senhor comecou uma rápida conversa comigo. Me perguntou de onde era e, quando disse que era brasileiro, muito amavelmente, me desejou uma boa estada no Chile com estas palavras: "que tengas un muy lindo viaje".

Isso me fez feliz. Parecia que só precisava disso para comecar a deixar Santiago entrar em minha natureza. Porque eu, particularmente, gosto muito de cidades grandes e com a arquitetura de Santiago. Mas, nao gosto do jeito que as cidades grandes deixa as pessoas.

¡Adelante!

Enquanto caminhava, percebi placas que indicavam a casa que Neruda fez para sua amante em Santiago. Fui até lá, mas era muito caro pra fazer uma visita guiada.

Resolvi que o melhor era caminhar até o alto do "cerro San Cristóbal", mas alto do que o "cerro Santa Lucía", em que havia estado ontem.

Queria subir a pé. Olhei o caminho por fora e nao achei tao grande. Mas, era íngrime. Durante a subida, sofri um pouco. O calor, a poeria, o sol, o cansaco... tudo era um obstáculo incrível. Mas, eu consegui. No alto, quase já nao tinha forcas para subir até o Santuário da Virgem, embora tenha conseguido.

Aí, descansei um pouco e aproveitei a vista. Ao fundo, para leste, a Cordilheira dos Andes parecia imensa e Santigo minúscula, apesar da poluicao que quase nao permitia que se vissem completamente as montanhas.

Circulei o cerro e vi que ele tinha um teleférico. Me dirigi até lá e pedi informacoes para a senhora que estava na bilheteria. Outra simpatia!

Como nao havia ninguém na fila, comecou a conversar e me explicar o percurso, o que veria... me tranquilisava pelo meu medo de altura. Em certo momento, quando lhe disse que havia subido a pé o cerro. Ela me disse: mas como vc conseguiu? Essa estradinha tem 6km... se você quiser, pode descer pelo teleférico que vai te deixar bem próximo de uma estacao de metrô (a Pedro de Valdívia).

Bom, como estava morto, aceitei o conselho. Mas, quando desci, nao queria ir de metrô. Queria ver Santiago por cima. Conhecer os parques, as ruas, chegar até o mercado central andando.

Mais duas horas de caminhada até o mercado central. Passei por pracas lindas (que eles chamam de parques), à beira do rio Mapocho. Quando encontrei água no parque, tratei de me molhar, para passar o calor e segui minha caminhada.

No mercado central, queria encontrar uma bebida (um suco de pêssego, com trigo e uma banda de pêssego dentro) que eles chamam de de Mote Huesillo. Mas, dentro do mercado, além dos peixes e mariscos, só vi muitos restaurantes caros. Nao me animei em ficar aí. Saí e me pus a buscar onde vendia Mote Huesillo.

Quando tomei o suco, realmente percebi que valia a pena. Delicioso! Geladinho, naquele calor... foi perfeito.

Enquanto estava na barraquinha, oOlhei o relógio pra ver se dava tempo de ir para Viña del Mar ou Isla Negra (onde Neruda viveu). Perguntei as pessoas se valia a pena, mas todas me diziam que era melhor ir amanha bem cedo e passar o dia todo. Embora quisesse ir para Mendoza amanha, acho que essa era a melhor idéia. Nao poderia vir até aqui e nao conhecer Viña e Isla Negra.

Passei no Supermercado pra comprar comida para levar amanha e voltei por hostel. Aí, percebi umas pessoas conversando sem parar. Pareciam ser Israelenses. Sei que falavam de viagens porque entendia quando eles diziam os nomes dos lugares, mas de resto nao entendia nada.

Isso, de repente foi me dando uma agonia... silenciosamente, pedia que se fossem, que deixassem o local dos computadores... eu já estava farto daqueles sons de "r" (com "r" feito no meio da garganta" e de "la, la, la".

Pelo menos se foram e pude escrever mais tranquilo. Pude refletir sobre Santigo com outros olhos.

A caridade comeca quando acaba a justica

Dizem que todos os caminhos levam a Roma, mas o certo mesmo é que quem tem boca vai a Roma. Em Santiago, é muito importante saber disso, porque, dependendo do terminal de ônibus em se pare, nao há qualquer informacao sobre a cidade, mapas, panfletos... nada.

Há rodoviárias pertencentes a empresas de ônibus, ou seja, privadas, em que nao há quiosques para informacoes turísticas. Se vc pergunta algo, ninguém sabe, pode ou quer informar.

O primeiro que te dizem é: voce precisa ir para a rua. Lá existem informacoes. Mas, como ir para rua se nao sei como me mover na cidade? Ainda mais em uma cidade grande como é Santiago?

Foi assim que me senti quando, ao perguntar na rodoviária sobre como me mover na cidade, policiais, pessoas da empresa em que vim até Santiago, nao sabiam ou nao queriam dar informacoes.

Pelo menos, estava havendo uma espécie de blitz da prefeitura na rua em frente e perguntei a um rapaz que fazia a abordagem dos carros como fazer para encontrar informacoes e ele me ensinou como ir de metrô até a Secretaria Nacional de Turismo.

Um pouco irritado e um pouco arrependido de ter vindo para cá, enquanto atravessava a cidade em busca da Secretaria de Turismo, lembrei das palavras de Germán sobre Santiago. Ele dizia que aqui nao era uma cidade interessante para conhecer pessoas. Todos sao estranhos, corridos, ninguém se olha, ninguém se toca, cada um cuida de si. Talvez, um pouco como Sao Paulo...

De qualquer modo, era bom para que eu mesmo pudesse verificar isso. Afinal, podia ser um pouco de preconceito da parte dele.

Mas, acho que podia estar movido pelas palavras dele. Até me surpreender com a primeira coisa que vi quando entrei no metrô: "la caridad empieza cuando se acaba la justicia".

Isso me deixou pensando sobre que espécie de cidade é essa, o que se tenta fazer agora no Chile com o novo governo. Porque, até onde eu sei, o Chile é um país extremamente católico, que nao permitia o divórcio (nao sei se já permite)...

Fiquei pensando nisso enquanto o metrô abria e fechava, pessoas desciam e subiam... e até mesmo na rua, enquanto procurava a Secretaria de Turismo.

Na Secretaria, fui atendido por uma mulher muito simpática. Me deu mapas, livros com informacoes detalhadas sobre Santiago, cultura, lugares para conhecer...

De forma muito diplomática lhe transmiti todas as reclamacoes sobre a falta de informacoes em locais mais próximos ou dentro das rodoviárias. Ela, atenta, ouviu, mas mudou de assunto em seguida como se isso nao fosse um problema.

Agora em condicoes de me mover pela cidade, tomei novamente o metrô e fui para o HIChile, da rede Hostels International. Fui recebido por uma pessoa nao tao simpática que, de cara, me pediu que pagasse adiantada a permanência.

Depois que paguei e preenchi a ficha de entrada, me deu uma chave sem sequer me indicar o caminho até o alojamento.

Quando perguntei, apenas me disse: é para lá (apontando com o dedo para o lado direito de seu corpo). Cara, como me arrependi de nao ter ido ao La Casa Roja... pelos precos que tinha visto pela internet achei que o HiChile fosse mais barato, principalmente pra mim, que tenho carteira de alberguista.

Acabei deixando as coisas aí e saí para um supermercado. Depois que deixei as coisas no hostel, tratei de ir conhecer a cidade. Andei o dia todo. Fui ao Banco do Brasil ver como estavam o cartao de crédito e conta corrente, depois fui ao Palácio la Moneda, à Catedral, Museo de Bellas Artes, Cerro Santa Lucía, Igreja Sao Francisco, Igreja da Merced, Palácio de Justica, Escola de Bellas Artes, um monte de lugares só caminhando. Em alguns deles, se podia entrar gratuitamente, outros nao. Aqueles que deixavam a gente ter acesso sem pagar, entrava, os outros, apenas passava pela frente, conhecia os arredores...

Depois de andar a tarde toda, voltei para o hostel. Precisava tomar um banho, comer e dormir. Mas, enquanto estava escrevendo no computador, encontrei Camila e Humberto (de Juiz de Fora). Ficamos conversando, eles me mostraram fotos, indicaram lugares para conhecer e, pior, me falaram muito mal do hostel. Achei que isso era coisa de brasileiro que nao está acostumado a viajar para ficar em hostel. Nao levei tanto em consideracao, apesar de já ter me deparado com situacoes que nao gostei tanto, como a falta de simpatia das pessoas.

Em seguida, encontrei Maurício (de Sao Paulo) e mais um monte de brasileiros. Nunca vi tanto brasileiro junto. Por, pelo menos, uma hora ou uma hora e meia, fiquei conversando com Rita (de Porto Alegre) e, em seguida, chegaram Soraia e uma outra (de Riberao Preto-SP). Enquanto conversávamos, uma senhora estava na cozinha organizando as coisas. Era uma pessoa muito mal-educada. Nao conversava, apenas reclamava. Nao dava um sorriso, nao tentava fazer seu trabalho mais prazeroso conhecendo as pessoas (muitas pessoas) que passam todos os dias por este lugar. Apenas, evitava todo mundo com um olhar sempre voltado para baixo, com o corpo retraído.

Neste momento, disse pra mim mesmo. Amanha mesmo saio daqui. Vou procurar o La Casa Roja, onde já tinha reservas (quicá ainda haja vaga), deixar minhas coisas, ir para a rua, conhecer outras coisas e depois ir para Viña del Mar e Isla Negra (onde Neruda tinha uma casa) e voltar pra Argentina.
Ah, mas isso nao significa que Santiago nao é uma cidade bonita... neste ponto gostei da cidade. Nao é tao diferente de Buenos Aires. A arquitetura européia com fortes tracos franceses, está presente aí.

quinta-feira, 27 de dezembro de 2007

A "saudade" em Valdívia

Meu último dia em Valdívia... quando penso na Noite de Natal, nas pessoas lindas que conheci no Aires Buenos, como Yesi, Germán, que trabalham aí...

Me sinto como estava no meu último dia em Buenos Aires... tinha vontade de dar continuidade a minha caminhada, mas me sentia bem no lugar em que estava e só me dava vontade de passar todo o dia desfrutando da companhia das pessoas, sentir a casa...

Mas, tinha uma necessidade... meus pés estavam cheio de bolhas por tentar caminhar de havaianas, de tênis e de sandálias, todos calcados inapropriados para se passar o dia na rua caminhando. Entao, resolvi comprar um sapato específico para isso.

Depois, quando voltei para o hostel, Tim, Tim me chamou para visitar o museu de história de Valdívia. Nao tava muito afim, mas para nao passar o dia enchendo o saco de Germán e Yesi, resolvi ir. O pior foi que nao consegui me despedir de Yesi. Fiquei muito triste por isso.

Apesar de ter ido, minha cabeca nao estava para museus. A ansiedade por voltar era maior do que a minha capacidade de apreciar as coisas que o museo tinha pra oferecer. Mas, Tim queria comprar uma mochila térmica pra colocar comida, queria consertar seus óculos de sol, o que fez com que o retorno para o hostel se alongasse mais.

Na casa, Germán lava a louca quando me perguntou qual o signifcado da palavra "saudade". Parece que todo mundo quer conhecer a beleza de nossa palavra saudade. Passei alguns minutos tentando retratar a complexidade dessa palavra, que representa sentimentos tao profundos e diversos. Da saudade que pode vir acompanhada da tristeza ou da alegria, que pode ser nostalgia, melancolia, mas que pode nao ser nada disso. Pode ser simplesmente a consciência alegre da existência de alguém. Pode ser a saudade de um tempo, de alguma coisa...

Bom, em espanhol, normalmente, as pessoas quando querem falar da falta que alguém faz, diz extrañar, echar de menos, sentir nostalgia, melancolia, añoranza..., a nossa saudade é tudo isso junto, tantava dizer.

lembrei que Renata tinha me recomendado um filme (Azul Profundo) que tinha no acervo do hostel, e comecei a vê-lo.

Quando Renata volta, tive que interromper o filme porque ela queria que a ajudasse com sua mochila até a rodoviária. Como ela teve um acidente e nao pode carregar peso, nao me furtei a isso. À parte, seria um modo de conversarmos um pouco mais.

Em alguns minutos, já estava de volta e, por instantes, fiquei só assistindo à televisao. Quando percebi que o filme estava ainda na metade e só tinha mais 1h30min para tomar banho e ir pra rodoviária, resolvi que o melhor seria fazer tudo isso logo e aproveitar um pouco mais da companhia das pessoas.

Tudo organizado, já estava quase indo para a rodoviária (que é bem perto do hostel) quando percebi que ainda tinha tempo. O próprio Germán, que estava com uma amiga, Verónica, propôs que nao fosse ainda. Aí me dei conta de que tocava música brasileira. Samba, mais especificamente.

Neste instante, Germán me pediu pra dizer a Verónica o sentido de "saudade"... ficamos aí falando sobre isso de novo por longos poéticos minutos. Isso, talvez, fez Verónica sentir-se triste, pensativa... até que comecamos uma outra conversa, agora, sobre a facilidade da vida...

Evidentemente, nao podia concordar completamente com isso. Para algumas pessoas, a vida é muito difícil. É preciso conquistar cada minuto. É preciso conquistar o ato de viver. Para essas pessoas, a vida é muito difícil. Nao há sonho, porque o sonho é apenas poder viver o próximo minuto, o próximo dia. Ninguém que vive assim, talvez, consiga planejar e revolver seus pensamentos em torno de idéias abstratas, de que se fazem os sonhos...

Seus sonhos sao a concretude...

Germán ficou pensando nisso e mudou de idéia... Verónica, de certo modo, concordou comigo também...

Nao sei porque, em algum momento comecamos uma conversa sobre a minha própria vida e, quando contava como difícil estudar, como foi difícil ter meu próprio escritório, como foi difícil essa viagem, Verónica me fez a pergunta que muitas pessoas devem estar fazendo agora: como esse cara está viajando por tantos lugares sem dinheiro? Por que fala tanto em dificuldades se pega o dinheiro que nao tem e emprega numa viagem como essa?

Nao sei se consegui, mas tentei explicar para Verónica que há pessoas que buscam acumular dinheiro para ter coisas, enquanto outras, pensam apenas em viver melhor, em conhecer pessoas, em absorver o conhecimento que a interrelacao humana pode promover.

É esta a intencao que me move, saber que posso, enquanto ser humano, construir novas formas de pensar e de viver a partir de experiências que me tornem mais conhecido por mim mesmo. Era uma necessidade, a descoberta da minha identidade latinoamericana. É uma questao política!

Para completar o que estas palavras poderiam trazer consigo, me despedi de Germán e de Verónica cantando a nossa Cancao da América, que, de forma simples, permite a integracao e a amizade.

Em seguida, saí noite a fora até a rodoviária... estava acompanhado dos meus pensamentos e da saudade de Valdívia.

quarta-feira, 26 de dezembro de 2007

O fim do dia

Ao contrário da noite de Natal, perto das onze da manha de ontem, Valdívia foi esfriando e, à tarde fazia muito frio. O céu nublava como se fosse cair uma tempestade.

Aproveitei o clima gostoso para caminhar até a rodoviária e comprar passagem para Santiago para esta quarta-feria, à noite.

Quando voltei, Marcel e Suzanne faziam a janta para todos e, Tim, cozinhava algumas coisas para compartilhar. Seria uma boa comida vegetariana que estava por vir. De repente, chegaram Ofir (de Israel) e Renata (do Brasil) e se juntaram a nós nesse compartilhamento.

Por um momento, com uma parte das pessoas que estiveram na noite anterior, comecamos a fazer uma reflexao sobre a noite. Cada um disse um pouco de seus sentimentos, mas Marcel, com um pouco mais emocao, disse que nao se recorda de uma noite de Natal tao linda em todos os 55 anos de idade.

Isso foi muito bom de ouvir. Afinal, podia fazer parte e deixar que os outros fizem parte de um momento como aquele na vida...

No meio das reflexoes, alguém pronuncia algumas palavras específicas do modo como se fala no Chile. Isso foi suficiente para iniciarmos uma boa conversa sobre as diferencas de falar, sobre como pode soar falso quando alguém tenta assumir uma identidade que nao a sua própria no ato de falar.

Ficamos por um longo tempo discutindo isso, até que Renata comecou a relatar sua experiência em Santiago nos dias anteriores. Segundo ela, faria 30 anos no dia seguinte e queria subir o vulcao para conhecer e ficar algumas horas meditando. Ela faz um tipo de metitacao indiana que necessita passar 10 dias sem falar.

No dia anterior ao seu aniversário, andou 4 horas em ônibus, 4 horas a cavalo, 2 horas a pé para chegar até a base do vulcao. Neste lugar, encontrou um homem suico que, por coincidência, iria completar 30 anos de alpinismo no mesmo dia do aniversário de 30 anos de Renata. Ele eu abrigo a Renata e passaram toda noite conversando, até que ele a convidou para subir com ele. Pelo fato de Renata, no outro dia iniciar sua meditacao, combinaram sinais e seguiram juntos até o topo da montanha, por um caminho novo. Dormiram aí e, no ouro dia, voltaram por uma trilha mais conhecida, porém difícil, do mesmo modo que aquela pela qual subiram.


Enquanto Renata contava sua história, a temperatura caía mais e mais... resolvemos, com isso, colocar a mesa para dentro de casa, lavar a louca e assistir a um filme. Infelizmente, o filme nao nos foi possível porque acabamos nos dispersando. Mas, eu assisti um que passava na televisao Chilena. Era bem legal. O que me deixou sem entender foi que, ao final do filme, entra um mulher que fala sobre a moral do filme e se depede.


Isso é uma forma de fechar as compreensoes do filme e de nao deixar que a própria pessoa construa uma compreesao, inclusive, crítica em relacao a esta moral.

terça-feira, 25 de dezembro de 2007

25 de dezembro - uma manha que se despertava pensativa

Acordei perto das nove horas com os pensamentos pululando. Quando desci do quarto, percebi que todos estavam igualmente pensativos.

Era um silêncio impressionante! Todos estavam visivelmente inebriados com a noite anterior.

Por diversas vezes, tentei sentar ao computador para escrever. Mas, nao conseguia. Queria estar o máximo de tempo com as pessoas. As meninas da Alemanha já iriam ao meio-dia. E, enquanto comíamos, soube que também Michael sairia a pedir carona hoje no período da tarde até o norte do Chile.

Enquanto comíamos, todos calados, parecia que as pessoas nao queriam que o tempo passasse. O silêncio foi rompido quando Michael comecou a brincar com Patricia e Montana. Em algum momento, eu podia entender tudo o que diziam em inglês ou, no mínimo, supus que compreendia. Era como se o universo nos desse a oportunidade de falar e se compreender tudo o que todos diziam em nome de nosso compartilhar.

De repente, todos saíram e ficamos só eu e Janna na sala de janta. Ela parecia nao saber como dizer, mas quiz dizer e, de uma só vez, expressou que a noite de ontem tinha sido muito rica de novas experiências. Completou dizendo que nunca tinha passado um Natal tao lindo.

Foi quando voltaram Montana e Patricia querendo que copiasse a letra da música do "EPO". Elas queriam aprender para fazer na Alemanha e em outros lugares por onde passassem. Nao tive dúvidas. Compartilhar essas formas de integracao de grupo é fundamental para que as pessoas possam se encontrar.

Mais um pouco e veio Marcel me dizer que o Natal tinha sido incrível. Segundo ele, havia muito anos que passava tao bonito. Em seguida, me deu um abraco e me agradeceu pela música, pelo compartilhamento... mas, na verdade, eu que deveria agradecer por encontrar a essas pessoas. Elas me deixam poético, rico de beleza, de espontaneidade, de alegria no coracao... é tao bom quando podemos sair do nosso mundo particular e se sentir povoado das pessoas...

Pensando nisso, tentei mais uma vez, escrever. Enquanto isso, veio Michael e comecou a conversar comigo. Aproveitei o fato de estar no computador e lhe mostrei fotos de Aracaju e de Sergipe. Ninguém conhece Aracaju, que parece estar fora do mapa. E, o que queria era encher Aracaju das boas pessoas que vou encontrando pelo mundo.

Bom, como nao só de belezas vivemos nós seres humanos, terminamos de comer e ficamos por aí. Em um pouco, as meninas da alemanha saíram para organizar as coisas de sua viagem e eu Germán ficamos conversando sobre um cara que havia estado no hostel duas semanas atrás que roubou um rapaz dos EUA. O pior de tudo é que o cara, Eduardo Perez (tem um blog com gente foi golpeada por ele em várias partes que deve ser divulgado - eduardo-perez.blogspot.com), que dizia ter trabalhado na ONU e que conhecia muitos lugares... acabou se fazendo amigo do americano que estava no hostel e lhe prometeu carona... enfim, deixou o cara num pequeno "pueblo", lhe tirou $ 1.000,00 (mil dólares) e se foi.

Germán estava muito preocupado que passasse isso de novo com pessoas do hostel. Ele queria que todos soubessem do caso, olhassem a foto do cara, inclusive fotos que ele tirou numa festa no hostel quando o cara estava por aqui.

Para que organizasse as pessoas, me pediu ajuda. Enquanto falávamos sobre isso, chegaram as meninas da Alemenha. Germán falou sobre o cara, mostrou as fotos e, enquanto isso acontecia, as meninas diziam conhecê-lo daqui mesmo. Que ontem, enquanto estavam no mercado de peixes, foram abordadas por ele, que queria dar-lhes carona para onde quisessem ir.

Todos ficaram muito preocupados, temerosos... eu, com isso de encantar-me muito fácil pelas pessoas...

Passou...

Era hora de as meninas irem embora... Germán fazia fotos de todos, das despedidas, dos abracos... eu considero essa a pior parte, principalmente, quando a gente encontra nas pessoas o que estava buscando.

Com muito lamento, me despedi de Janna, Patricia e Montana e me lembrei que nao se pode "ter" as pessoas para si mesmo. Cada um precisa fazer sua caminhada.

Mais tarde, ficamos só eu e Germán no hostel, enquanto Michael tinha ido telefonar para casa, Tim, caminhar pela rua, Marcel e Suzanne, também. Neste momento, Germán e eu recordávamos a noite de Natal e como as pessoas estavam meio paradas pela manha. Como tinha sido intenso o momento em que todos estávamos juntos, falando de coisas importantes para nossos países, inclusive, dizendo "verdades" sobre as relacoes que mantêm os governos, muitas vezes, de exploracao. Tudo isso, sem desrespeitar as pessoas.

Comemos, lavamos os pratos e comecamos a conversar sobre cinema. Germán me mostrava alguns documentários que possui, quando Marcel, Suzanne chegaram. Demorou alguns minutos e Michael voltou para pegar sua mochila, a placa que havia feito para pedir carona e se despedir da gente.

Este fora um momento muito emocionante para mim e para Germán que falávamos de como Michael é gente boa. Tiramos fotos, trocamos enderecos de correio eletrônico... quando Michael nos escrevi seu e-mail, percebi que havia um e-mail da universidade de Oregon. Perguntei o que fazia e ele disse: Antropolgia. Gosto de gente.

Só isso já seria o bastante para compreender o porque de Michael ser aquela pessoa tao interessante, com tanta curiosidade sobre a história e os modos de vida dos outros povos.

Lamentei muito a ida dele. Creio que Germán também, apesar de etar acostumado com as pessoas que vêm e vao. Mas, a vida precisa seguir seu rumo. O rumo das nuvens que vêm, fazem brotar o solo e se vao para outras partes promover novas semeaduras.

Foi um encontro de vida muito rápido, de menos de um dia, mas o suficiente para ter minha vida marcada para sempre.

Agora, há pouco, outra coisa foi importante neste dia. Conversava com Germán mais uma vez sobre a importância das pessoas que passaram por aqui ontem, quando ele recebeu uma mensagem no celular de uma amiga da Holanda. Ela lhe dizia que o amava. Porém, nao contava que Germán conseguisse compreender tao rápido, porque havia escrito holandês. Como Tim está aqui. Foi possível para Germán ter a mensagem traduzida e saber que era querido, que tinha alguém na sua vida com quem se preocupar.

Agora, Germán está mais descontraído, ainda que nervoso, ansioso por voltar a vê-la. Pior, isso só vai poder ocorrer no final de janeiro, quando se encontraram fisicamente em Santiago.

Estava cancando nuvens... acho que encontrei

Temia comecar a escrever as experiências de Valdívia e das "nuvens" que andei encontrando por aqui. Nao sei também nao seria consequências do processo reflexivo em que me encontro devido a tudo o que significou o dia de ontem para a minha vida ou se era simplesmente por nao saber como fazer isso.

O dia comecou muito forte com a conversa que tive com Yesi. Senti que nos emocionamos e que expusemos os nossos espíritos latinoamericanos, cada um a sua forma, para que o outro pudesse conhecer. Eu, com minha brasilidade sedenta por perder-se em minha latinoamericanidade. Ela, com sua chilenidade sedenta por perder-se em sua latinoamericanidade. Ambos, com sua intencao de entregar-se a um sentimento que se vai mais além do que o que se pode encontrar em seus próprio lugar, mas que nao se encontra se cada um nega sua própria identidade. Isso é como um dialogar intercultural que só existe se, provocados pela diferenca e pelas semelhanca que todos temos, nos dispomos a seguir com o diálogo e com a compreensao do que significa compartilhar a humanidade.

Infelizmente, Yesi tinha que organizar as coisas no hostel e nao podíamos passar todo o dia conversando, inebriando-nos um da cultura do outro, um das lutas que cada um enfrenta em seus países.

Assim, meio sem sentido, sem rumo, acabei indo para a rua. Queria depurar as idéias que se haviam construído naquela conversa em torno de situacoes comuns que enfrentamos com nossa gente. Dos problemas ambientais, da exploracao do trabalho das pessoas, das contradicoes de nossos governos, em tese, de esquerda, da nossa sumissao aos países desenvolvidos... mais especificamente do Brasil, sobre a existência de escravos, de criancas vítimas de exploracao sexual... e, também, de experiências de enfrentamento: dos pescadores de Mehuin, dos sem-terra, de Paulo Freire e de sua pedagogia do oprimido...

A rua era só um espaco para fazer os sonhos brotarem... e, por isso, nao sabi muito o que fazer. Em alguns momentos, queria percorrer a cidade, em outros, queria conhecer as praias do oceano pacífico. Durante quase duas horas, rodei sem rumo por Valdívia.

De repente, peguei um ônibus até Niebla e depois para Los Molinos. Fiz algumas fotos, mas tinha voltade de voltar. O que buscava nao estava aí. E, tinha uma forte sensacao de que deveria estar no hostel para me sentir melhor.

Para voltar, caminhava por uma estrada estreita, ainda pensando em tudo o que me acontecia em Valdívia. As pessoas que estava conhecendo, as conversas, as experiências... em determinada altura da praia de Los Molinos, peguei um outro ônibus que me levasse direto para a sede do muncípio de Valdívia. Parecia que nao queria perder mais tempo.

Em quarenta minutos, estava de novo no hostel. Quando cheguei aí estava Germán, o administrador do hostel que se havia ido para Pucón, na regiao dos vulcoes passar uns dias. Yesi me havia faldo dele, de sua música, de seus talentos e de sua simpatia.

De fato, foi muito fácil comprovar tudo isso. Conversamos muito. Ele me contava que é jornalista e trabalha em cinema em Santiago. Agora, está filmando um documentário sobre uma pianista Rapa Nhui (da ilha de Páscoa). Mas, como se passa com aqueles que tentam fazer trabalhos independentes, nao tem dinheiro. Está fazendo conforme vai conseguindo.

Ele conhece muitos movimentos culturais e de luta por direitos humanos na América Latina. Me contou toda a história do Mehuin, pescadores que conseguiram mobilizar todo a sua comunidade para impedir que uma empresa de papel e celulose se instalasse e puesesse seu lixo nos mares onde pescam, me contou a história dos indígenas no Chile, lhe contei dos sem-terra, dos trabalhos de combate a exloracao sexaul de criancas e adolescentes, falei das contradicoes do governo Lula, ele me disse das contradicoes de Michel Bachelet...

Passamos toda a tarde conversando. Nao conseguíamos parar. Germán queria conhecer, eu queria conhecer... à parte isso, queríamos desfrutar de um sentimento comum de latinoamericanidade. Isso até necessitarmos ir ao supermercado comprar coisas para fazer algo para a noite de Natal.

No supermercado, Germán, Tim e eu tivemos que nos separar porque estava muito cheio, o calor estava enorme, as pessoas agoniadas... era Natal e todos queriam estar o mais rápido possível em suas casas. Nós também. Em meu caso, queria voltar para seguir o processo de compartilhamento.

Com problemas no caixa que escolhi porque era o aparentemente mais vazio, fui o último a chegar... todos já estavam cozinhando, preparando as coisas. as meninas da Alemanha (Janna, Patricia e Montana), já estavam com quase tudo pronto. Tim preparava, junto com Germán, um churrasco em que misturavam carnes com algumas verduras e, eu, apenas tinha que esperar para me preparar algo.

Quando estava cozinhando, chegaram mais três pessoas no hostel. Um estadunidense, Michael, e um casal, Marcel (de Chile) e Sezanne (de EUA), que vive em Austrália.

Ao terminarmos tudo, comecamos o compartilhamento. O casal ainda estava se organizando, mas as pessoas acabaram sentando à mesa e comendo. Isso porque também já eram 22h e, para quem tinha passado o dia caminhando, já estava muito tarde.

Depois da comida, comecamos uma conversa entre todos. Esse foi um dos momentos mais lindos de toda a minha vida. Pudemos fazer as distintas culturas, ainda que sob o mesmo espectro, o da ocidentalidade, conversar. Falávamos das relacoes colonialistas. De como os europeus e norte-americanos exploram a nossa américa latina... neste momento, falava do livro de Frantz Fanon (os condenados da terra), mais especificamente do prefácio de Sartre, que diz que todos os europeus precisam parar para pensar sobre sua culpa em relacao ao modo como vivem os países colonizados, sua culpa de antes e de agora, de como para que tenham uma vida mais digna, necessitam de nossa riqueza, de nossas pessoas, de como EUA necessita dos latinos..., quando Janna, visivelmente emocionada, interrompeu e perguntou como era isso da culpa e o que podíam fazer para mudar isso.

Minha resposta mais imediata veio no sentido de que, no mínimo, os europeus e norte-americanos precisam aprender a votar. Porque, os líderes que escolhem lá, resvala nas pessoas aqui.

Foi muito tempo de conversa... ficamos todos muito emocionados... até que me pediram para cantar algo da música brasileira. O primeiro que veio na minha cabeca, porque é a única música que tenho de cor, foi "no woman no cry". Cantei, depois, voltamos a conversar, depois me pediram mais música... o que fiz foi cantar à capela.

Em seguida, para que nao cansasse as pessoas, pedi para Germán tocasse seu acordeon. Ele relutou um pouco, mas, num momento, comecou a contar uma história de como comecou sua relacao com o instrumento.

De forma muito emocionada, disse que era um desejo de seus pais que estudasse acordeon. Ele nao queria, até o dia em que sua mae o levou para matricular-se em uma escola de música. No caminho, propôs o que toda crianca cansada de ter que fazer algo que nao está afim proporia. Ele disse muito claramente: Mamá, ¿por qué no volvemos a la casa y no le decimos a papá que la escuela no estaba abierta, que no pudimos hacer la inscripción?

Sua mae, muito seriamente lhe devolveu uma proposta: Si no quieres hacerte las clases, ¿por qué no te decis a tu padre que no te quieres hacértelas?

Segundo ele, nao teve "cojones" de dizer ao pai que nao queria e comecou a estudar. Por um tempo, abandonou o instrumento em favor do violao, paixao dos jovens, e, agora volta a aproximar-se do acordeon.

Depois disso, Germán nos presenteou com três lindas músicas. Ficamos todos inebriados, com os olhos mareados...

Finalizada a música, Germán nos pediu que cantássemos mais coisas do Brasil e do outras partes. Marcel nao se conteve e comecou uma música no violao, depois Suzanne cantou uma múcia folclórica de EUA e eu voltei a cantar algumas coisas do Brasil.

Quando já ninguém mais cantava, Marcel propôs que cantássemos, cada um em sua língua, "noite feliz". Esse foi um momento mágico. Era um coro lindo de 9 pessoas que, pela música, fizeram sua língua comum.

Todos fomos capazes de nos compreender e dar ao outro o que tínhamos de melhor. Oxalá pudesse o mundo fazer o mesmo. Oxalá, pudéssemos todos os dias trazer essa experiência renovadora para a nossa vida, para a forma como conversamos com as pessoas de todas as partes, inclusive, mas próximas. Oxalá, o mundo pudesse compreender que os seres humanos podem conviver juntos, sem fronteiras e sem barreiras que nos exilam em nossos próprios mundos.

Tudo se voltou para mais emocao, para mais concentracao energética, ao ponto de nao nos contermos em nós mesmos. Queríamos ficar mais tempo, apesar do cansaco, queríamos todos desfrutar das companhias que tínhamos aí.

Antes que se fossem todos dormir, propus que fizéssemos uma danca que, na UFPB, chamamos de EPO, uma saudacao indígena. Ensinei os movimentos e comecamos a brincadeira. Um momento de descontracao e de muita alegria. Era o extravazamento de nossas energias mais intensas concentradas naquela noite.

Ao final, fizemos um abraco coletivo de Natal e, em seguida, nos abracamos um por um, desejando o melhor para todos, boas viagens, boas companhias...

Quando Tim e o casal foram dormir, por um momento, retomei algumas conversas que teria iniciado com Michael. Aí pude perceber que, apesar de seus 22 anos, nao era um jovem norte-americano comum. Sabia um pouco da história do Brasil e da América Latina, tinha vindo para a cidade em que Che nasceu, Rosário, na Argentina, para aprender a falar espanhol, iria até o Peru trabalhar voluntariamente em uma fazenda...

Foi encantadora esta conversa. Me lembrou Dieter, meu amigo americano, médico, casado com Verónica, da Argentina, que tinha vindo para a América Latina trabalhar pela saúde do povo mais pobre.

Michael tinha todos os sonhos que nao podia imaginar que os meninos dos EUA tinham. Falava de justica, de sentimentos, expressava muito carinhosamente sua sensibilidade, acreditava nos direitos humanos...

Nao sei por preconceito, sempre imaginei que os meninos norte-americanos estavam de costas par ao mundo, que tinham suas vidas voltadas apenas para o consumo... mas, o próprio Michael me disse que, nas escolas, nao se estuda história dos outros países, nao se conhece muito da vida das pessoas de outros países. Assim, que posso estar errado ou posso estar, de alguma maneira, certo de pensar o que penso.

Mas, que bom, que, nesse momento de promover encontros, estou tendo surpresas. Michael é uma grande surpresa! Embora nao seja surpresa porque sao latinos, Yesi e Germán também foram grandes encontros.

Aliás, tudo que aconteceu ontem foi o resultado de um grande encontro de "nuvens", de "nuvens" que percorriam muito rápido o "céu", que, em algum momento, se deixam derrar ao solo para fazer brotar e, em seguida, vao a outros lados, promover novas semeaduras.

Isso fez deste lugar, de Valdívia, um lugar incrível. Um lugar capaz de canalizar a vida de muitas pessoas para um momento tao lindo como a "noche buena" (como se chama a noite da véspera de Natal em espanhol) de ontem. De outro modo, de verdade foi uma "buena noche".

segunda-feira, 24 de dezembro de 2007

Um dia em Valdívia

Quando alguém chega a uma cidade, o primeiro que pensa é estar o mais cedo possível para aproveitar o dia. No Chile, como na Argentina, o dia, nesta época do ano, é muito longo. O horário é semelhante ao do nordeste brasileiro. Nao têm horário de verao e, até quase às dez da noite tem sol. Assim que as pessoas podem dormir, literalmente, quando anoitece, se querem. Tal como é, ainda, nos lugares em que nao há luz elétrica no sertao do nordeste e as pessoas precisam ir para a roca muito cedo, ainda antes do amanhacer do dia.

Bom, mas o dia de ontem em Valdívia comecou com uma gostosa caminhada pela "via costanera", nas margens dos rios Calle Calle e Valdivia. Aí encontrei a moca alema que veio do meu lado até Osorno. Estava com seu companheiro. Cumprimentamo-nos e segui.

Mais adiante, próximo a uma ponte (Prochelle), vi alguns lobos marinhos dormindo na beira do calcadao. Segundo, Yesi, a moca do hostel, foi preciso fazer uma cerca para que um dos grupos nao viesse para a rua. Antes, logo quando apareceu o primeiro grupo, eles ficavam tomando sol na rua e os carros tinham que esperá-los sair.

Hoje, uma parte deles, que fica mais próxima do cais de lanchas, nao tem tanto contato com os seres humanos, mas nao atacam. De qualquer modo, nao se pode aproximar muito. É difícil prever o que podem fazer.

Depois de observar os lobos, caminhei até o mercado municipal de peixes, frutas e mariscos. Neste lugar, observei que os chilenos parecem ser pessoas muito tristes. Nao sei se é só uma impressao, mas eles nao sorriem. Estao sempre sisudos, seus semblantes sao sempre de preocupacao. Aliás, Yesi é uma excecao. Está todo o tempo sorrindo, brincando... enquanto as pessoas que vi na rua, normalmente, parecem tristes.

Percorri toda a "vía costanera" até pouco depois de uma torre, nas proximdades da Universidade Austral do Chile. Vi que aí tinha uma feira de atiguidades e parei um pouco pra olhar as coisas. De igual modo, as pessoas pareciam tristes. Quase nao falavam. Era um silêncio inenarrável, que se rompia apenas quando alguém perguntava algo. Assim mesmo, falavam muito baixo quando respondiam as perguntas feitas.

Acabei voltando para o centro, que, quando deixei o hostel, estava muito parado. Até tive impressao de que nao abriam aos domingos. Queria conhecer esta parte da cidade em um momento em que estivesse mais viva.

Ao cheguer perto da catedral, vi que a missa estava terminando. Entrei para conhecer o que parecia ser uma igreja com arquitetura inovadora.

Comprovei que, de fato, era muito atual e bonita sua estrutura. Porém, mantinha o conservadorismo que, tradicionalmente, a Igreja Católica tem no Chile. Dos lados, um pavimento semelhante a camarotes, evidentemente, sem divisoes. Algumas pessoas tinham carros e roupas muito luxuosos. E, na porta, o padre cumprimentava a todos os fiéis.

Pouco tempo depois de terminada a missa, alguns índios chilenos organizaram-se em um cantinho da catedral e comecaram a tocar música andina. Fiquei por aí um tempo até ir para a ilha Teja, do outro lado do rio Valdivia. Queira conhecer os parques da cidade. Passei pelo Prochelle, Santa Inês (neste entrei - era uma praca) e o Saval. Acabei chegando até o Saval, mas optei em nao entrar porque já estava muito cansado.

Voltei para o centro e ía em direcao ao hostel, quando vi um posto telefônico. Como fazia tempo que só me comunicava com a minha casa por e-mail, através de amigos, e, também pelo fato de ser próximo ao Natal, resolvi telefonar. Mas, nao consegui falar com minha mae. Acabei ligando para a casa de minha avó, falei com ela e com minhas tias. Fiquei muito feliz por isso! Era como ter um reencontro com meu país e com minha família.

Desci a rua, ainda com os pensamentos no Brasil, sem consegui falar nada de espanhol por isso e vi um homem dando comida e bricando com os lobos marinhos. Fiquei aí por um instante, observando essa relacao que ele tinha com os animais. Em alguns momentos, percebi que ele dava comida, mas queria que os animais deixasse que ele lhes tocasse. Eram tentativas em vao. Os lobos marinhos nao queriam tanta intimidade.

Voltava para o hostel quando vi um outro grupo de chilenos tocando música andina. Eram muito bons. De repente um deles, que oferecia cds, comecou uma conversa comigo. Chamava-se Ramiro. Na conversa, me disse que o grupo era formado por pessoas de todas as partes do Chile e viviam percorrendo o país mostrando sua música. Acontece que em Valdivia, as pessoas nao parecem valorizar os grupos que tocm nas ruas. Algumas pessoas contribuem com moedas, mas a maioria fica como se nao houvesse nada na praca. Quando Ramiro abordava as pessoas para oferecer o cd, algumas davam um sorriso irônico e diziam simplesmente "no".

Enquanto isso, passavam carros com sons muito altos, tipo aqueles que via em Joao Pessoa e, um pouco menos, em Aracaju, normalmente com a música da pior qualidade. Da mesma forma eram as lojas. A música era péssima. Ultra-comercialista! O que me pareceu que, em nome da cultura de massas (aparentamente capaz de "universalizar" as pessoas, enquanto a música local é vista como uma maneira de "localizar" as pessoas), as pessoas negam suas próprias raízes. Seus belos tracos culturais. É assim também no Brasil.

Ao voltar um pouco reflexivo para o hostel, fiquei conversando com Yesi e, quando se foi, com um amigo de Mauro, o outro rapaz que trabalha no hostel. Enquanto conversava com Yesi, chegou Tim da Holanda. Falava muito bem o espanhol, enquanto as outras meninas que estao aqui, com excecao de Laura que se foi ontem pela manha, nao falam nada de espanhol. Foi um alento, porque era alguém para conservar.

Depois, fui relembrar um pouco da música brasileira, organizar minha mochila, que estava meio desordenada, conversei mais com Tim...

Durante a noite, fiz um "bocadillo", assisti à televisao (estava passando uma retrospectiva das notícias mais importantes do ano, segundo o olhar da tv, claro), enquanto tentava escrever algumas reflexoes. Tim tentava relembrar algumas músicas para tocar no violao e me pedia auxílio para cantar. Mas, como minha cultura inglesa é péssima, nao conheco nenhuma música em inglês. Acabei cantando "no woman no cry" (na versao de Gilberto Gil, a única que sei de cabeca para o violao).

domingo, 23 de dezembro de 2007

Seria cômico se nao fosse trágico: um Natal cheio de neve no Brasil.


Algumas reflexoes povoam a minha cabeca desde ontem quando cheguei a Valdivia. Mas, agora elas ficaram mais fortes com algumas reportagens que li sobre o caso da transposicao do Sao Francisco no STF, que já relatei, e com o julgamento dos estrangeiros com quem estou convivendo nesta viagem sobre a nossa forma de olhar o Natal. Ontem, Laura se dizia chocada com a forma como retratamos o Natal, com neve, com comidas muito quentes... uma absorcao cega da cultura hegemônica que se impoe e se nos expoe ao consumismo. Nem sequer podemos dar vazao a nossa cultura brasileira, tao rica e diversa nos modos de retratar o Natal, mas que fica sufocada por Santa Claus, neve feita de espuma, pelo vermelho quase bordeaux de todas as coisas que parecem se relacionar ao Natal... Nem nos dao tempo, nem as nossas criancas, de percebermos o Natal por outros olhares. Já no final do mês de outubro comecam a colocar luzes coloridas em todas as partes, simular neve, distribuir Papais Noéis nas lojas, nas ruas... Nossas frutas ficam desprezadas, nossa comida e nossa cultura também. O único que sei de nossa cultura capaz de me lembrar o Natal, porque nao se me permite saber que existe para que, ao menos, tenha interesse em buscar mais informacoes, é que temos o Reisado como forma de retratar o Natal. Isso é muito típico do Nordeste, mas, seguro, deve, haver outras formas em outras partes do Brasil. No caso do Reisado, nao se distribuem presentes (por isso nao interessa ao comérico resgatar e nem deve ser uma responsabilidade dele fazer - é nossa enquanto ser humanos, cidadaos portadores de uma identidade que se anseia negar todo o tempo). Sua história está relacionada ao nascimento de Jesus Cristo e a visita que os três reis magos (Gaspar, Baltazar e Melquior) ao menino Jesus. Sobre o tema, o site da Fundacao Joaquin Nabuco e do governo de Sergipe afirmam:

Dança de origem portuguesa, é representada sempre no Dia dos Santos Reis no ciclo de Natal.

Dançando, cantando e representando, constitui-se de vários episódios ou “partes” dentre as quais destaca-se à do boi. A forma de apresentação do reisado compreende duas fileiras de dançarinas cujas vestes identificam o “cordão azul” e o “cordão encarnado” que disputam entre si as preferências da platéia. O “Caboclo ou Mateus” e a “Dona do Baile ou Dona Deusa” são personagens centrais na condução e no sucesso do folguedo popular.

Luís da Câmara Cascudo, no seu Dicionário do folclore brasileiro, diz que Reisado é a denominação erudita para os grupos que cantam e dançam na véspera e Dia de Reis.

O Reisado chegou ao Brasil através dos colonizadores portugueses, que ainda conservam a tradição em suas pequenas aldeias, celebrando o nascimento do Menino Jesus. Em Portugal é conhecido como Reisada ou Reseiro.

No Brasil é uma espécie de revista popular, recheada de histórias folclóricas, mas sua essência continua a mesma, com uma mistura de temas sacros e profanos.

O Reisado é formado por um grupo de músicos, cantores e dançarinos que percorrem as ruas das cidades e até propriedades rurais, de porta em porta, anunciando a chegada do Messias, pedindo prendas e fazendo louvações aos donos das casas por onde passam.

A denominação de Reisado persiste ainda em Alagoas, Sergipe e Bahia. Em diversas outras regiões o folguedo é chamado de Bumba-meu-boi, Boi de Reis, Boi-Bumbá ou simplesmente, Boi. Em São Paulo é conhecido como Folia de Reis, onde a festa é composta de apresentações de grupos de músicos e cantores, todos com roupas coloridas, entoando versos sobre o nascimento de Jesus Cristo, liderados por um mestre.

Fazem parte do espetáculo os “entremeios” (corruptela de entremezes), pequenas encenações dramáticas que são intercaladas com a execução de peças, embaixadas e batalhas. Os personagens são tipos humanos ou animais e seres fantásticos humanizados, cheios de energia e determinação.

O folguedo do ciclo natalino é comemorado em várias regiões brasileiras, principalmente no Norte e Nordeste, onde ganhou cores, formas e sons regionais.

Em Alagoas, constitui-se numa representação dramática, normalmente curta e pobre de enredo, acompanhada e precedida de canto.

Em Sergipe, é apresentado em qualquer época do ano e não apenas nas festas de Natal e Reis. Os temas de seu enredo variam de acordo com o lugar e o período em que são encenados: amor, guerra, religião, entre outros.

O Reisado apresenta diversas modalidades e é composto de várias partes: a abertura ou abrição de porta; entrada; louvação ao Divino; chamadas do rei; peças de sala; danças; guerra; as sortes; encerramento da função.

A música no Reisado está sempre presente. O Mestre é o solista, sendo respondido pelo coro a duas vozes. Os instrumentos utilizados alternadamente são: a sanfona, o tambor, a zabumba, a viola, a rebeca ou violão, o ganzá, pandeiros, pífanos e os “maracás”, chocalhos feitos de lata, enfeitados com fitas coloridas.

Há uma grande variedade de passos nas danças do Reisado, entre os quais pode-se destacar: do Gingá, onde os figurantes de cócoras se balançam e gingam; da Maquila, um pulo pequeno com as pernas cruzadas e balanços alternados do corpo para os lados, passo também exibido pelos caboclinhos; Corrupio, movimento de pião com o calcanhar esquerdo; Encruzado, cruzando-se as pernas ora a direita à frente da esquerda, ora ao contrário.

Tem como personagens principais o Mestre, o Rei e a Rainha, o Contramestre, os Mateus, a Catirina, figuras e moleques.

O Mestre é o regente do espetáculo. Utilizando apitos, gestos e ordens, comanda a entrada e saída de peças e o andamento das execuções musicais. Usa um chapéu forrado de cetim, de aba dobrada na testa (como o dos cangaceiros), adornado com muitos espelhinhos, bordados dourados e flores artificiais, de onde pendem fitas compridas de várias cores; saiote de cetim ou cetineta de cores vivas, até a altura dos joelhos, enfeitado com gregas e galões, tendo por baixo saia branca, com babados; blusa, peitoral e capa.

O traje do Rei deve ser mais bonito e enfeitado. Veste saiote ou calção e blusa de mangas compridas de cores iguais, peitoral, manto de cores diferentes em tecido brilhante (cetim ou laquê);calça sapato tênis (tipo conga), meiões coloridos e na cabeça uma coroa feita nos moldes das dos reis ocidentais, semelhante a das outras figuras, porém encimada por uma cruz; levam nas mãos uma espada e, às vezes, também um cetro. Durante o cortejo os Reis vêm na frente, logo atrás do Mestre e do Contramestre. A Rainha é representada por uma menina, com vestido “de festa”, branco ou rosa, uma coroa na cabeça e um ramalhete de flores nas mãos.

O Contramestre é o responsável pelo Reisado na ausência do Mestre. Seu traje é semelhante ao daquele, só que menos pomposo.

Os Mateus, que sempre aparecem em dupla, usam trajes diferentes dos outros figurantes: vestem paletós e calças de tecido xadrez, usam um grande chapéu afunilado que chamam de cafuringa, com espelhos e fitas coloridas, óculos escuros, rosto pintado de preto, geralmente com tisna de panela ou vaselina e levam nas mãos os pandeiros. São os personagens cômicos do Reisado, junto com a Catirina.

Conhecida antigamente como Lica, a Catirina é a noiva do Mateus. Veste-se de preto, traz um pano amarrado na cabeça, o rosto pintado de preto e um chicote nas mãos, com o qual corre atrás das moças e crianças.

As outras figuras formam o coro do Reisado, que participam ativamente apenas nas batalhas, nas danças e no canto, quando respondem ao solo do Mestre. Formam duas fileiras simétricas, organizadas hierarquicamente e posicionadas uma do lado direito outra do lado esquerdo do Mestre.

É uma das tradições populares mais ricas e apreciadas do folclore brasileiro, principalmente na região Nordeste.

Ao ler esta história, percebo que precisamos conhecer mais de nosso Natal brasileiro e nordestino, sem neve, com muitas cores e, no lugar de um Santa Claus, o Palhaco Cheiroso.

Viva o Palhaco cheiroso!!!

Quem pensam que sao estes juízes?

As notícias que chegam para mim do Brasil, agora, sao muito poucas. Algumas vêm pelas listas de e-mails de que faco parte. E, uma me chamou atencao em específico por seu caráter inacreditável: o STF negou a suspensao das obras de transposicao do Rio Sao Francisco.

Essa foi uma verdadeira demonstracao de insensibilidade e de desrespeito à justica que pode dar um Tribunal no Brasil. E, isso porque, junto com esta irresponsabilidade social, ambiental, humana, vêm outras injusticas, ligadas à falta de uma discussao efetiva sobre as condicoes de igualdade e de justica em nosso país, à falta de um debate franco sobre a privatizacao dos bens públicos, da justica, da sobreposicao de interesses privados sobre os interesses daqueles que estao sempre vulnáveis à negacao de seus direitos, como negros, mulheres, indígenas, homossexuais, criancas e adolescentes, idosos, pessoas de menor poder aquisitivo, etc.

O Judicário, se nao sabe (o que acho muito difícil), precisa saber e ter consciência de que faz parte de um jogo de poder; de que se presta a negar os direitos daqueles que sempre foram injusticados. Quando existem decisoes diversas destas que justificam a compreensao do Judiciário como um Poder deslocado dos interesses sociais, descolado da vida das pessoas, é possíevl dizer que sao excecoes pessoais. Digo pessoais porque isso depende exclusivamente daquele que se acerca da faticidade, o julgador. Nao é uma política interna do próprio Órgao.


Se observarmos que uma política se constitui de procedimentos e de idéias que se subsumem a estes procedimentos, aos espacos, ao comportamento que se dispoe em certo lugar, na linguagem, na vestimenta, na arquitetura em que as idéias mais aparentes (aquelas que se pode expressar claramente) tomam assento, se pode dizer que nao há interesse do Judiciário de se aproximar dos interesses humanos mais autênticos e justos.

No caso específico da arquitetura e das condicoes procedimentais, podemos afirmar que o Judiciário usa a inovacao para encobrir a perverssao. Ultimamente, se constroi predios, que, sem perder sua imponência, absorvem novos materiais, novas estruturas físicas, mas o que está dentro está podre, está sediado na Roma Antiga.

Posso ser mais radical e dizer que ainda é válida a piada, segundo a qual se fosse necessário descongelar um ser humano que viveu há mais de 500 anos o melhor lugar seria um Tribunal de Justica. Nao poderia ser do lado de fora, mas do lado de dentro, com um julgador falando todo o tempo. Essa seria uma forma, até ter a possibilidade de descobrir que existe um mundo diferente lá fora, de saber que os vocábulos, pelo menos em uma parte do mundo, continuam iguais.

No caso do Sao Francisco, imagino que seria interessante comecar a responsabilizar todos aqueles que votaram favoravelmente à transposicao pelo fato ocorrido. Colocar seus nomes nas ruas, com frases referentes a seus votos, enviar cartas a todos os espacos e ao Judiciário, especificamente, rupudiando o voto.

Denunciar a insensibilidade para certas questoes é uma forma de promover o nosso controle social sobre um poder que sempre se acreditou impassível de fiscalizacao efetiva.

Para alguns, esta poderia ser uma decisao conservadora e insensível. Eu diria que é conservadora sim, mas nao é insensível completamente. Há que se perguntar para quem e em que caso é esta insensibilidade. Porque, de certo modo, está cheia da sensibilidade própria daqueles que sempre detiveram o Brasil em suas maos, programando valores sociais, preferências aparentemente pessoais, crencas, argumentos...

Destino Valdivia

Depois de um dia de caminhadas em Bariloche, debaixo de um sol terrível, de frio a noite e no início da manha, acordei bem. Estava um pouco ansioso com a viagem para o Chile. Era a primeira vez que vinha para cá e nao sabia o que iria encontrar nas minhas andancas.
Às 10h30min. cheguei a rodoviária de Bariloche para pegar o ônibus com destino a Valdivia, Chile.
Depois de quase duas horas de espera, comecamos a viagem.
Atrás de mim, ía um brasileiro que tentava falar em espanhol com uma argentina. Tirava fotos de tudo e contava de suas viagens pela América Latina. Por un lado, fiquei muito inclinado a conhecê-lo melhor, a ouvir suas histórias. Por outro, o tipo parecia um pouco cheio de si. Nao sei se porque era um brasileiro na Argentina, conversando com uma mulher... ou se era porque pensava que todo latinoamericano gostaria de ser brasileiros...
Passa que o cara era artesao, um hippie mais atual, que vive por aí vendendo suas coisas. Já morou na Venezuela, na Colômbia, na Bolívia, no Paraguai... disse ele que só nao conhecia 4 estados brasileiros: Rio Grande do Sul, Santa Catarina, Paraíba e Pernambuco.
Talvez, de algum modo, seja este tipo de pessoa minha inspiracao. Alguém que pode viver viajando o mundo, vivendo de seu próprio trabalho, em cada lugar que se dispoe a ir.
Vim pensando sobre isso inspirado pelos lagos de Bariloche, Villa la Angostura, pela neve na beira da estrada, mesmo neste tempo de verao, pelos lindos bosques argentinos do parque nacional Nahuel Huapi.
Meus pensamentos só se interrompia quando chegávamos nas fronteiras. Por duas vezes, tivemos que descer do ônibus, ser revistados, checar documentos, receber carimbos de saìda (no caso da Argentina) e de entrada (no caso do Chile).
Do meu lado, ía uma alema que nao falava quase nada de espanhol. Mas, sua simpatia compensava qualquer tentativa frustrada de dizer qualquer palavra.
Em alguns momentos, compartilhávamos as belezas que víamos da estrada sem dizer uma só palavra.
Era a neve, os vulcoes... quando já estávamos no Chile, perto de Osorno, vi, ao longem um lindo vulcao, todo coberto com neve. Mostrei a ela, que só fez dizer, ooo, hermoso...
Nossa comunicacao era através do inebriar de nossos olhares.
Em Osorno, depois de 7h de viagem, comecei uma conversa com uma mulher chilena que vive na Argentina há 20 anos. Ela me explicava algumas coisas sobre o Chile, mas nossa conversa nao foi muito adiante. Osorno era seu lugar de parada, juntamente com sua família.
A partir de Osorno também, fui acompanhado só de meus pensamentos. Quando comecei a ver Valdivia, imaginei que era uma cidade que nao valeria a pena. Se Bariloche era puramente turística, Valdivia nao parecia nada turística, ainda que muitas pessoas venham para cá.
Na rodoviária, pedi informacoes sobre hostéis e caminhei até onde me foi indicado. Nada! Como era perto, voltei a Rodoviária com todo peso nas costas e pedi novas informacoes. A moca era muito solícita e me deu o endereco bem detalhado. Com isso, consegui chegar aos Aires Buenos, na calle García Reyes, 550, onde encontrei Laura, uma menina da Holanda com quem conversava até há pouco sobre várias coisas, inclusive as informacoes sobre o Brasil, que ela nao tinha.
Fora isso, aqui no Hostel trabalha Yesi,uma moca muito simpática que leva seus dois filhos para o trabalho.
Conversando con Yesi, percebi que as pessoas por aqui podem ser interessantes e fazerem Valdivia valer a pena. Se se quer conhecer pessoas, aqui pode ser um bom lugar.