quinta-feira, 23 de setembro de 2010

DÚVIDA INSANÁVEL: COMO DEVE SER PARA UM MINISTRO DO STF CONVIVER COM O PODER DE MUDAR A HISTÓRIA E A CULPA DE NÃO TÊ-LO FEITO?

José Humberto de Góes Junior

Esse ano e num futuro bem próximo, o Supremo Tribunal Federal (STF) enfrentará temas muito importantes para o Brasil. Na configuração da justiça brasileira implantada pela Emenda Constitucional nº 45 e no estágio atual da luta por direitos e por justiça, que faz resvalar nas Cortes problemas sociais historicamente negados às instituições públicas brasileiras, serão temas que exigirão do Judiciário, pela primeira vez, tomar assento, como parte, nas discussões sobre os problemas nacionais; assumir sua responsabilidade ética e constitucional no processo de superação das desigualdades e das opressões, ocasionadas pelo patrimonialismo, pelo patriarcalismo, por conseguinte, pela corrupção endêmica, que ainda povoa nossa realidade nacional.
Em outras palavras, terá o STF a chance de, percebendo-se co-responsável pelos problemas brasileiros, bem como, seus Ministros e Ministras, devolvendo-se a si mesmos e a si mesmas a condição de cidadãos ativos e cidadãs ativas, realizar ou de contribuir decisivamente para a realização do art. 3º da Constituição Federal de 1988. Poderão ser co-partícipes do processo de promoção do desenvolvimento nacional, da erradicação da pobreza e das formas de marginalização, de discriminação e preconceito; poderão, acima de tudo, contribuir para a construção do bem de todas as pessoas e da justiça social.
Mais de 20 anos após iniciada a luta do povo brasileiro pela democratização do país e pela configuração de um Estado que se voltasse à realização de direitos dos oprimidos e explorados, grandes temas silenciados na história pelo autoritarismo começam a ser enfrentados.
O passado precisa mesmo ser revolvido para construirmos o futuro com justiça.
Iniciamos a nossa terapia enquanto povo. Foi longo o caminho, mas estamos reconhecendo as nossas angústias sociais, os nossos traumas. Em alguns casos, já demos respostas satisfatórias no processo de construção do futuro (demarcação da Reserva Raposa Serra do Sol); em outros, devido aos medos que ainda pairam sobre nós, não fomos fortes o suficiente para enfrentá-los. É o que ocorreu, por exemplo, com o julgamento da constitucionalidade da Lei de Anistia, evitando que houvesse um passo adiante na superação da tortura e da violência como elementos centrais da ação estatal em face do povo brasileiro.
Outros temas, como as cotas raciais nas universidades, a intervenção terapêutica em mulheres portadoras de fetos anencéfalos, a união homoafetiva, a transposição do Rio São Francisco, estão próximos de serem enfrentados.
Hoje, dia 22 de setembro de 2010, mais uma do que um julgamento técnico, porque este revela as posturas e as compreensões de mundo que carregamos conosco, o STF tem a possibilidade de escolher seu lado. Assumir sua responsabilidade ética, ao lado do povo, na construção efetiva da democracia ou ficar contra o povo devolvendo para o palco das eleições pessoas que reconhecidamente sempre atuaram em desfavor do Brasil.
É exatamente a escolha de lado o que representa o julgamento de Joaquim Roriz. É a escolha entre estar “deitado em berço esplêndido, ao som do mar e à luz do céu profundo” (ou, no máximo, manter-se à janela, em dia de parada, enquanto passa o grito dos excluídos) e pegar, junto com o povo, as ferramentas, os blocos e o cimento para começar a construir uma sólida casa para o abrigo da democracia.
Num campo mais estrito, o STF terá que escolher entre negar o passado, fazendo surgir a alvura da “ficha” de Roriz e de muitos outros que concorrem no pleito de 2010, e afirmar que Roriz e outras dezenas de candidatos e candidatas não atendem aos critérios de moralidade que mais de 2.000.000 (dois milhões) de pessoas apresentaram para votação no Congresso Nacional, atendendo todos os critérios constitucionais de proposição legislativa.
O certo é que, se perder a chance de decidir em favor do povo, como perdeu no julgamento da Lei de Anistia, o STF e seus Ministros e Ministras estarão, mais uma vez, aditando elementos para o seu próprio julgamento na história desse país.
Além disso, aqueles e aquelas que votarem pela ética de Roriz e dos outros que serão julgados com ele hoje terão que conviver com a responsabilidade de terem optado pela não-democratização do Brasil e, pior, de terem votado em favor corrupção, do desrespeito e da violência, contra o povo brasileiro. Afinal, não deve ser fácil saber que teve o poder e a chance para mudar a história de um país inteiro e optou por não tomar a decisão necessária para tanto.
Quem pensem nisso os Senhores Ministros e as Senhoras Ministras antes de dizerem não ao povo brasileiro!

terça-feira, 14 de setembro de 2010

EDITORIAL DE DOMINGO: É PRECISO PARAR PARA PENSAR

José Humberto de Góes Junior

O editorial do Correio Braziliense deste domingo, dia 12 de setembro de 2010, ao abordar a greve dos servidores técnico-administrativos da Universidade de Brasília, faz uma relação direta do movimento reivindicativo com a possibilidade e mesmo com a emergência concreta de prejuízos à sociedade, sobretudo, quanto à continuidade de pesquisas desenvolvidas pela Instituição em áreas importantes do conhecimento científico.

É certo, como afirma o texto referido, que a UnB é uma das mais importantes instituições superiores de educação (o que deve sempre incluir a atividade de pesquisa) do Brasil e não pode ficar parada. Suas atividades de excelência, por isso mesmo, sua capacidade de irradiar conhecimentos sobre outras regiões deste país e do mundo, não podem ser comprometidas.

Uma Universidade se faz da ação empenhada de sua comunidade, professores, estudantes e técnicos. São estes os responsáveis pela grandeza dos trabalhos que a Universidade Pública brasileira ainda, apesar das dificuldades, da omissão de governos, dos baixos orçamentos, em muitos casos, consegue manter em favor da sociedade. Se a UnB é grande é porque sua comunidade a faz grande. É o compromisso de seus docentes, técnicos e estudantes que a torna importante polo nacional, internacional e local de conhecimento.

Ao esquivar-se, deliberadamente, de discutir o mérito da greve dos técnico-administrativos, ou seja, o corte determinado pelo Ministério do Planejamento, Orçamento e Gestão, MPOG, do Governo Federal, de 26,05%, mais de ¼, dos salários dos servidores, o Correio deixou de pontuar um dos temas mais importantes para a garantia da qualidade da educação da UnB e da Universidade Pública brasileira.

Normalmente, às greves de servidores públicos são opostos discursos de prejuízos sociais e interrupção de serviços à comunidade. De verdade, estes existem, mas não são maiores do que aqueles causados pela omissão do Poder Público, pelo desprestígio dos governos em relação à educação, por funcionários mal-remunerados, prestando serviços precários à população. Além disso, em tempos de aumentos salariais escassos, reduzidos a margens percentuais abaixo de 10%, uma perda de 26,05% é extremamente significativa. Inegavelmente, pode comprometer a sobrevivência de famílias inteiras. Colocando-se no lugar das pessoas que sofrem um dano dessa magnitude, é possível entender que há razão para a manifestação dos técnicos da UnB através da greve. Qualquer trabalhador faria o mesmo para evitar que a sua sobrevivência e que a sua condição de dignidade na relação laboral fosse prejudicada.
Neste caso, culpar os servidores pelas dificuldades que a UnB acaso enfrenta ou pelos prejuízos em tese que a sociedade pode estar sofrendo, seria, no mínimo, transferir a responsabilidade do Governo Federal para aqueles que, com o seu trabalho, ajudam a mover, apesar dos obstáculos causados à educação, a UnB. Em outras palavras, seria exigir que os servidores assumissem, com o seu sacrifício e de sua família, a responsabilidade pela qualidade da educação, como parece insinuar o editorial do Correio deste domingo.

O exercício do direito de greve pelos servidores técnico-administrativos da UnB é legítimo. Como reconheceu também o Judiciário, a greve hoje instaurada na Universidade também é legal.

Apesar da mesa de negociação instalada na instituição, não está ao alcance da gestão universitária dar uma solução definitiva para as reivindicações dos servidores da UnB. De fato, negociar localmente resultou na continuidade dos serviços do Restaurante; da Biblioteca Central; das atividades de ensino, pesquisa e extensão; na realização de encontros estudantis com mais de 2.000 pessoas vindas de diversas partes do Brasil, como foi o caso Encontro Nacional de Estudantes de Direito; e promoção de outros importantes eventos, como o Seminário sobre a Federalização de Crimes contra os Direitos Humanos, realizado no dia 08 de setembro com a presença de importantes juristas brasileiros e do Ministro Paulo Vanucchi, e do Encontro Anual da Associação Nacional de Pesquisa e Pós-Graduação em Direitos Humanos, que acontecerá no final dessa semana. Mas, por se tratar de redução salarial determinada pelo Ministério do Planejamento, Orçamento e Gestão e não especificamente pela UnB, caberia ao Ministério a responsabilidade de solucionar o problema gerado por sua ação desmedida, e, em caso de omissão, ao Judiciário, por ter sido a demanda judicializada e a greve considerada legal.

Como a UnB não pode parar, interessante que a dignidade dos servidores fosse respeitada, que a íntegra de sua remuneração fosse mantida e que os governos se comprometessem efetivamente com a educação, direito de todos e dever do estado, conforme afirma a Constituição Federal de 1988. Isso, de fato, evitaria prejuízo à sociedade, pois teria pessoas respeitadas para seguirem mobilizando a pesquisa, o ensino, a extensão e, em outros termos, para produzirem conhecimentos capazes de corresponder aos reais interesses da sociedade brasileira. Afinal, como diria Darcy Ribeiro, fundador da UnB, esta universidade foi fundada para pensar mecanismos de desenvolvimento econômico, político, social, cultural, artístico, para o Brasil.