sexta-feira, 9 de maio de 2008

Agora tenho 30 anos

Passa da meia-noite e sinto uma necessidade imensa de escrever. Já sou um homem de trinta anos completados no dia que acaba de se encerrar, mas, antes de dormir o sono dos balzaquianos (uma leve analogia ao livro de Honoré de Balzac para as mulheres de trinta anos), preciso deixar fluir os pensamentos que reverberam as palavras de minha mãe, para mim, neste dia.

Em alusão a Freud, esta repetição pode ser uma tentativa de, a partir do vínculo intenso e profundo que mantemos com as mães, compreender o seu conjunto de palavras e de preocupações; uma forma de promover a tradução intergeracional ou interpessoal de valores e de modos de vida. Neste caso, entre a forma de viver que adotei pra mim e o sentido que minha mãe gostaria que eu desse a minha própria existência.

A todo momento, vem-me a cena em que ela, lentamente, deixa-se entrar na sala em que estudava, em que lia um livro libertador (A ideologia de Paulo Freire), e afirma com um sorriso leve nos lábios:

- Você tem 30 anos... meu filho, você já tem 30 anos e o que você tem, o que você conquistou? Quando é que você vai começar a pensar na vida?

Apesar de sua fala, eu sabia que ela não tinha sentido. Pelo menos, do meu ponto de vista do que significa conquistar, do que significa pensar na vida. Era um esforço grande estar absorto de todas as conquistas diante de alguém que me olhava e tentava me oferecer como uma receita o seu significante para “vitória” sem poder e sem querer travar debates profundos sobre o assunto.

Na verdade, eu não sei se entendia o porquê da fala. Afinal, ninguém foi tão testemunha de minhas lutas do que minha própria mãe. Mesmo sem compreender, sem me compreender, sem acreditar na importância de algumas delas, minha mãe foi sempre a maior testemunha de que minha vida é plena. São 30 anos de muitas conquistas, de muitas vitórias, de muitas felicidades. São 30 anos muito bem vividos, com experiências, com vivências, com vivenciamentos, que poucas pessoas da minha idade puderam construir.

Mas, o que minha mãe queria dizer em torno da conquista em nada tinha de semelhante com o que foi a minha vida inteira. Somente no âmbito das situações visíveis e mais convencionais ao mundo apegado a títulos e ao triunfo individual, cada dia de minha existência foi uma grande prova de fogo e cada prova se vinculava a um grande projeto de minha vida: terminar os estudos; alcançar um curso de direito de uma universidade pública; construir um escritório de advocacia que se dedicasse a trabalhar para os oprimidos; fazer um primeiro mestrado e ter que abandoná-lo pela necessidade de trabalhar para sobreviver; enfrentar um segundo mestrado com grandes dificuldades financeiras para poder alcançar a possibilidade de, um dia, poder ensinar numa universidade pública...

O que mais poderia ser uma conquista? Essa era a minha conquista!

Não posso dizer que chego aos 30 anos como um possuidor de bens, ao menos dos bens que muitas pessoas supõem serem os mais importantes. Mas, chego aos 30 anos feliz, pleno de sorrisos, pleno de amor, pleno de poesia, pleno de sonhos, pleno de música, pleno de ser gente, pleno de ser criança, pleno da crença de que posso errar e de que posso acertar, pleno de pessoas ao redor, pleno de perseverança, pleno de vontade de seguir lutando, pleno de fragilidade e força para, todos os dias, acordar, contemplar o novo dia e agradecer pelo fato de poder estar vivo e lutar.

Cada dia, quando acordo, agradeço pela possibilidade de seguir lutando.

Por isso, era mais um dia em que estava feliz. Tinha passado um dia sereno, um dia de reflexões, um dia de sorrisos e de lembranças impulsionados pelos recados que recebi no Orkut de pessoas que fazia muito tempo que não via, mensagens por e-mails, telefonemas.

Eram tantas declarações de amor, de amizade, de respeito, de admiração...

Minha própria mãe tinha me feito o que eu mais gosto que se faça no dia do meu aniversário: um caruru.

No início da noite, tinha recebido a visita inesperada de Lídia, Kátia, Aninha, Andréa e Roberta, companheiras de lutas pelos direitos da criança e do adolescente em Sergipe, cantando parabéns na porta da minha casa, diante de quem quisesse ver e ouvir, me presenteando com abraços e com uma tentativa de cancã...

Mas, nada disso foi visto. Foi preciso a pergunta que, quase sem a sensibilidade de perceber o que mais me importa, me indicou como um ser sem bens, um ser que havia deixado de pensar na própria vida.

Minha reação, ao contrário do que pensei que seria, foi tranqüila. Ainda tentei explicar alguma coisa, até perceber que nenhuma explicação daria conta de expressar tudo o que significa, para mim, ter vivido o que vivi, com tantas conquistas. Entre estas, estão a certeza de que tudo o que se fiz de minha vida construiu esta mesma vida, de que tudo o que sou ou estou sendo é tudo o que fiz sabendo sempre o que estava fazendo, é o conjunto de minhas dores, de meus sorrisos, dos atos de amor que se voltaram a mim, dos atos de amor que eu mesmo fui capaz de produzir, é um pouco de cada pessoa com quem encontrei, são as nuvens que cacei, são os abraços sinceros, são o chão e a água, são o vento e o mar, é a música, são os pequenos gestos de carinho e de afeição.

E, pensando nisso, por um momento me vi andando de novo pela América Latina, como se do alto dos Andes, olhasse o caminho que percorri e dissesse: essa é a minha conquista.

Eu podia ver as pessoas; eu podia ver meus amigos; eu podia ver o ser humano que foi se formando em cada momento de sua vida, com a certeza de que todos os instantes foram vividos com intensidade; eu podia agradecer.

Que mais eu poderia querer? Que mais eu poderia chamar de conquista? Que mais podia representar a minha vitória?

Nada!!!!!

As pessoas são a minha maior conquista. Viver e ser feliz todos os dias é a minha maior conquista. Estar com o mundo e com os outros é a minha maior conquista.

Quanto aos meus bens, nenhum bem é mais precioso do que recostar o coração em outro coração dentro de um sincero abraço.

Diante de todas essas crenças, que mais podia eu senão me tornar possuidor de mais desses bens. Se é no contato com o mundo que se lhes adquire, fui em busca de meus amigos.

Acumulei novos abraços, doados por Pablo, Silvinha, Biel, Vinny e Ize.

Fui merecedor do compartilhar feliz de Adônis por sua formatura e de Kelly por sua gravidez. Tudo isso no mesmo dia.

Agora, tenho 30 anos. E, além da idade, tenho, num mundo de incertezas, mais certeza de penso na vida, de que sou um vitorioso e de que devo seguir lutando para merecer os sorrisos e as palavras que pude receber no dia que acaba de acabar.