domingo, 17 de janeiro de 2010

O FETICHE DA TV: PARADOXOS DAS DISCUSSÕES SOBRE CONTEÚDO E INTERATIVIDADE.

José Humberto de Góes Junior

Esta semana, no bojo dos debates acerca Programa Nacional de Direitos Humanos3 – PNDH3, lançado pelo Governo Federal ainda em dezembro de 2009, observava o teor das discussões movidas em torno da comunicação social, mais especificamente, do direito à comunicação, e percebia que, embora o PNDH3 ataque corajosamente pela primeira vez os fatores de promoção da desigualdade e da negação da diferença na sociedade brasileira, o foco central da contenda ideológica parece ser a preocupação do Programa com o conteúdo transmitido por meios de comunicação de massa como a televisão.
É certo que, por não termos cuidado devidamente ao longo dos anos de existência deste elemento da comunicação que possui maior capacidade de produzir subjetividade, é legítimo que as pessoas e o governo assumam os conteúdos transmitidos pela TV como um importante componente quando se trata de pensar mecanismos de construção de uma cultura de respeito aos direitos humanos.
Afinal, a TV está em quase todos os lares brasileiros e, ao fazer uso de técnicas de linguagem, que aliam abordagens lúdicas com de imagens, sons e textos para criar contextos, trabalha com a fantasia, ativa os sentidos, provoca a sensação de viver em tempo real experiências alheias como pertencentes ao/à espectador/a. A TV adota, reelabora e apresenta um mundo que, em cada um/a de nós, pode invocar a esfera dos desejos, das rejeições, dos símbolos, das representações sociais, dos valores, e, por conseguinte, guarda a condição de (re)produtora de uma moral, de um modo de viver. E, isso, por si só, já torna fundamental observar com mais acuidade o conteúdo televisivo.
Sendo a televisão um meio de comunicação concentrado, não podemos deixar de perceber que é igualmente privatizado e privativo a certos grupos e interesses. Sua moral, suas compreensões de mundo, as ideias que propaga como noções universais, revelam-se como significantes particulares, localizados, espacialmente, em determinados centros de elaboração e, ideologicamente, no seio de grupos minoritários, que dependem da ventilação de conceitos específicos através da grade de programação para a garantia das estruturas de poder em que estão assentados. O que torna ainda mais relevante discutir o conteúdo transmitido pela televisão e sua capacidade de formar uma sociedade voltada a uma democracia efetiva, com promoção e defesa de direitos humanos.
Em paralelo a esse debate concernente à programação e aos discursos que direta ou indiretamente aí se implementam, ocorre também em certos canais de TV discussões sobre o modelo de TV digital que ora se implanta no Brasil. Especialistas, a figura do momento nos meios de comunicação, concentram-se no que chamam de interatividade para descrever a relação que as pessoas têm com o aparelho de TV. À possibilidade de apenas escolhermos entre programas propostos em um menu determinado, chamam pseudo-interatividade; à participação em enquetes, pesquisas, votações em reality shows, seja pelo telefone ou pela internet, chamam interatividade simples; e, por último, a possibilidade de usar o aparelho de TV para, por exemplo, marcar consultas no Sistema Único de Saúde, para acessar o correio eletrônico, para pedir uma pizza, para conversar com os apresentadores e apresentadoras de TV, entre outras coisas, intitulam de interatividade plena. É esta que se defende como instrumento de exercício da democracia através da televisão digital.
Sem querer desqualificar os debates sobre o conteúdo da programação dos canais de TV e sua necessária aproximação do caráter educativo e ainda sobre o uso de novas tecnologias para a televisão, não podemos esquecer que a tentativa de evitar a concentração das ideias e das decisões sobre o formato da comunicação social brasileira, que movimenta as discussões, será vazia se uma preocupação anterior for abandonada.
Em quaisquer dos casos, para sabermos que rumos tomar, é preciso entender qual o lugar que ocupa e qual o lugar que queremos dar à televisão na sociedade brasileira; que papel tem a TV e qual é aquele que queremos tenha; por que ocupa o centro da casa das pessoas, dos lares, das famílias; por que a TV é o objeto em torno do qual as famílias se reúnem, as pessoas sufocam a solidão; por que se tornou o parâmetro de avaliação e de existência dos acontecimentos; quais são os discursos que sustentam esta centralidade da TV e se a criação de mais elementos para que as pessoas se postem diante do aparelho de televisão não contribui ainda mais para o fortalecimento do fetiche da TV.
Dialogar e pôr em destaque estes temas pode impedir que, mais uma vez, fiquemos reféns do botão do controle remoto, que criemos ainda mais mecanismos para colocarmos nossas vidas à disposição do aparelho de TV, por conseguinte, à disposição de discursos que nos enclausuram em nossas casas diante da televisão com o pretexto de nos proteger da violência, que professam o individualismo e o isolamento dos/as integrantes da família, que promovem os valores da sociedade de consumo, que nos tiram do espaço de reivindicação da rua e reduz a democracia à escolha do canal de TV.

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