domingo, 27 de janeiro de 2008

25 de janeiro – o dia de voltar pra casa

Era o último dia em Buenos Aires. Estava ansioso para voltar para casa e saber o que tinha de novo em mim, na minha cidade, nas pessoas que eu amo, nos meus amigos, ou seja, queria saber que novo olhar eu colocaria sobre tudo.

Ao mesmo tempo, tinha a manhã para aproveitar Buenos Aires, para caminhar no centro, para olhar aquele céu azul indescritível, para olhar aquelas pessoas e escutar o seu sotaque.

Mas, parecendo que o universo sabia do meu sentimento dividido entre voltar e permanecer, da minha tristeza-alegria daquele instante, o céu tinha se postado nublado. Estava de cara fechada, como se tivesse de mal comigo.

Mesmo assim, não me mandou a chuva. Me deixou caminhar pelo centro e aproveitar a linda, colorida, apressada, barulhenta e populosa, Buenos Aires.

Tinha acordado às 7h da manhã, movido pela pura ansiedade de retornar e de ficar ali o quanto pudesse naquele último dia, e pude aproveitar mais 4h de caminhada, entre às 9h e às 13h.

Depois de depositar o meu olhar contemplativo, embora apressado e encharcado da Buenos Aires que tanto amo e que me afeta inigualavelmente, depois de encontrar Vinícius na rua, voltei ao Clan, agora, para disfrutar um pouco mais da companhia daquelas pessoas que tanto e tão bem me atenderam nas idas e vindas de minha caminha.

Somente não conseguia interagir com Gonzalo, como sempre pleno de seu estresse e da grosseria que o acompanhava naqueles momentos agoniados. Pelo menos, podia brincar com Julio, com Emiliano, com Leandro, com uma menina novata, cujo nome não lembro, com Silvana e com Mari.

Tirei uma última foto com algumas dessas pessoas, falei com Rob, que, de novo, estava no Clan, com Roberto e tomei o rumo do aeroporto.

Enquanto aproveitava os meus últimos minutos de interação com aquele lugar, tive o prazer de ser conduzido por um taxista (infelizmente não perguntei o seu nome nem ele me disse espontaneamente) muito simpático, cheio de estórias, alegre pela vista de tantas pessoas. Quando, diante de sua pergunta sobre minha nacionalidade, lhe disse que era brasileiro, ele tomou um susto.

Segundo ele, porque nunca tinha visto um brasileiro com um espanhol como o meu.

Aproveitei que ele havia me falado sobre isso e dialoguei um pouco sobre a questão da suposta rivalidade entre os argentinos e brasileiros, originada pelo futebol. Nossa conversa foi ainda mais reforçada quando passamos pelo centro de treinamento da seleção argentina e quando lhe contei o episódio que vivenciei em Córdoba.

Sua resposta foi simples e segura: há gente idiota disposta a tudo.

Consciente de que, como brasileiro, não era malquerido naquele lugar, cheguei ao aeroporto. Era como se tudo o que tivesse ido fazer naquele país fosse ter a certeza de que, como brasileiro e por causa de futebol, não precisava ser odiado pelas pessoas. De que podia dialogar, construir compreensões de mundo, unir lutas...

Passei pelo “check in”, paguei a taxa aeroportuária de U$ 18,00 e fui para a sala de embarque. Aí, enquanto esperava por quase duas horas de atraso do vôo JJ 8005 para São Paulo, resolvi tentar mais uma vez falar com Juan. Em vão. Liguei, portanto, para Sérgio. Tinha poucos créditos no cartão telefônico e não pude falar muito. Inclusive, não consegui dizer adeus.

Pode ser que esta seja uma forma de voltar a ver este amigo e a linda Argentina.

Perto de 18h30min. partir da capital portenha e, por volta de 21h, cheguei a São Paulo. Quando sobrevoava a cidade, em procedimento de aterrissagem, empreendi uma conversa com duas mulheres que estavam do meu lado. Chamavam-se Sandra e Márcia. Não sei de que modo, começamos a falar sobre as nossas viagens, sobre nossas experiências, até que contei um pouco de tudo o que havia passado.

Rapidamente, elas se interessaram em saber um pouco mais e conhecer o meu diário de bordo, postado na internet. Márcia queria mostrá-lo a sua filha, também no vôo, estudante de jornalismo que vai, no próximo semestre, cursar uma disciplina sobre turismo, mas também queria tomar contato com a minha vivência e com as fotos com que o deverei ilustrar.

Depois que descemos, fizemos todo o procedimento de entrada no país, passamos pela polícia federal e pela alfândega, pegamos as nossas bagagens e nos despedimos.

Quando estava na sala de embarque para pegar o avião para Aracaju, fazia o olhar passear em busca de alguém conhecido. No primeiro momento, a única pessoa com quem tomava contato era um senhora que, apesar de muito simpática, não parava de falar. Me contava estórias de sua família, me dizia que iria a Aracaju para a formatura em enfermagem de uma afilhada sua...

Enquanto conversamos, tivemos a presença de uma mulher no nosso diálogo. Eu sabia que a conhecia de algum lugar, até que ela revelou que se chamava Simone e que era juíza da 3ª Vara Cível de Aracaju. Foi a oportunidade para que ambas soubessem que eu era advogado e que fazia mestrado em direitos humanos.

A partir daí a primeira mulher com quem conversava só me chamava de doutor. Era muito engraçado.

De repente, outra pessoa conhecida, Wellington Mangueira. Rapidamente, nos falamos porque ele, além de falar com Simone, estava com dor de ouvido. Não queria incomodá-lo.

Quando começou os procedimentos de embarque, me despedi de Simone, que iria para Florianópolis visitar uma filha e segui com a minha bem falante mais nova “desconhecida” amiga. Digo desconhecida porque não sei o seu nome, porque é uma das pessoas que marcaram a minha vida, cujo nome não sei.

Dentro do avião, na poltrona 5F, só para saber que o mundo é feito de grandes, médias e pequenas contradições, me deparei com duas meninas. Pela vestimenta, pela forma de falar, pelos assuntos, e, principalmente, pela tentativa de dialogar frustrada que tive come elas, descobri que se tratavam de um perfil elitista e pouco sociável em relação aos “reles mortais” como eu. Calei e me fiz acompanhar, tal qual tinha feito em uma parte da primeira etapa daquele retorno para casa, pelo samba de Maria Rita.

Ao som daquela suave e humana mulher, cheguei a Aracaju e tive minhas reflexões interrompidas pela minha amiga que gritava incansavelmente “doutor” “doutor”... para que eu pegasse sua mala, a primeira que aparecera na esteira.

Sob os risos e sob a alegria de saber que podia fazer parte da felicidade de uma sergipana residente em São Paulo ao voltar para sua terra natal, não exitei em ajudá-la. Em seguida, nos despedimos e fui buscar minha mãe. Queria abraçá-la. Mas, igual ao que me aconteceu quando voltei da Espanha em 2001, não havia ninguém para me esperar.

Supus que havia esquecido, como da outra vez. Esperei por meia hora e peguei um táxi para voltar para casa.

Com a simpatia de mais um taxista desconhecido, cheguei em casa e descobri que minha mãe tinha ido para o aeroporto.

Enquanto não chegou, perto de 2h da manhã, não fui dormir. Mas, foi só chegar, ouvir suas reclamações, que, aliás, continuavam as mesmas, para que eu fosse deitar.

Imaginava, também, que tudo podia ser diferente daquilo que se mostrava num primeiro instante com a minha mãe. Que a admiração e o carinho que sinto por ela, não precisa nos levar a vivenciar freudianamente nossa relação.

No sábado, enquanto esperava minha irmã e meus sobrinhos, para irmos para a casa de meu irmão, perto de 18h, resolvi ligar a TV e, no canal público brasileiro, passava um documentário (Kollasuyo é o nome) sobre a luta dos indígenas no norte da Argentina e na Bolívia.

Parecia um presente e uma forma de, em mais esta coincidência, ter a compreensão de que a experiência daquela viagem me povoaria por muito tempo. Com lágrimas nos olhos enquanto reconhecia os lugares, a Quebrada de Humauaca, La Quiaca, a fronteira da Argentina com a Bolívia, Villazón, Potosí...

Em Potosí, as minas do Cerro Rico, as mulheres com suas vestimentas típicas (polleras), as injustiças da exploração daquele povo...

Naquelas imagens podia reviver todos os meus sentimentos ao tomar contato com aquele povo, com a forma como os brancos agem injusta e desrespeitosamente com os indígenas e com a incomunicabilidade, apesar das fronteiras impostas pela geopolítica que lhes pertence, de seu território. Mas, em tempo, tinha impressão de, não obstante as contradições do nosso governo federal, liderado pelo Partido dos Trabalhadores, pela primeira vez, o Brasil voltar-se para a América Latina, em relação a que sempre esteve de costas.

E, não era só por causa do documentário que se perguntava e perguntava “onde está a América Latina?”, era porque, pela primeira vez, com a criação de uma TV pública nacional e com a programação com a qual tomei contato antes de viajar, podíamos olhar os povos tradicionais latino-americanos sem julgamentos indevidos e injustos em relação ao seu de viver, mostrando sua cultura, suas lutas, a beleza de seu modo de viver e de superar suas contradições.

Com este documentário, por outro lado, pude compreender que me sinto preparado para olhar, para inebriar-me, para indignar-me com as injustiças, bem como para povoar-me do sentimento e das lutas latino-americanas.

Mais uma vez a descoberta: EU SOU LATINO-AMERICANO!

É assim que volto para casa, LATINO-AMERICANO.

Um comentário:

Shionara disse...

Toda mãe é igual!!!

O dia de voltar pra casa sempre é angustiante, seu peito abriga dois sentimentos, o de quere voltar e o de querer ficar!!!

Foi assim que me senti em Aracaju...

=)