domingo, 20 de janeiro de 2008

Caminhos cruzados

Buenos Aires parecia parada aos meus olhos e, para que nao me cansasse de passar todos os dias pensando somente, resolvi caminhar mais um dia. Era como se quisesse fatigar o meu corpo e sentir tudo o que a cidade pudesse oferecer a um caminhante.
Assim, depois das 10h da manha, saí em direçao a lugar nenhum, em busca de nao sei o quê.
Segui por Corrientes... tomei como referência shoppings para ter uma idéia do quanto iria caminhar e para ter, pelo menos, condiçoes de encontrar mais facilmente informaçoes e pedidos de ajuda, em caso de eventual perda do caminho.
Depois de 2h, cheguei próximo do número 3400 em Corrientes. Era um shopping, cujo nome nao lembro, em que fiz um rápido percurso e saí. Tomei o metrô de volta ao Obelisco, na praça da República, e daí, reiniciei a caminhada.
Fui até Palermo, em uma área linda e bem afastada do centro de Buenos Aires Capital Federal. Aí, sabia o que buscava. Queria encontrar uma loja que fabrica e vende malabares.
Pelo que vi na internet, eram coisas muito legais e queia ver se encontrava algo que pudesse levar para o Brasil.
Bom, mas era tudo muito caro e resolvi deixá-los todos em seu devido lugar.
Quando ía em direçao ao centro, resolvi ligar para Sergio e Susana para ver se conseguíamos sair, pelo menos, à noite, depois da tentativa frustrada do dia anterior.
Consegui falar com Sergio, que às 20h passaria no Clan para me pegar.
Sair com Sergio e Susana foi o que de mais importante me passou no dia. De fato, foi uma linda encruzilhada.
Depois de rodar em carro por quase 1h30min, com os meninos perdidos em sua própria cidade, chegamos à praça Itália em Palermo. Em meio aos milhares de pessoas que se amontavam nas calçadas e de bares e restaurantes de Palermo, buscamos um lugar onde aportar e passar alguns momentos conversando.
Quando encontramos um lugar que nos agradou, nao havia lugares na calçada, somente na parte de dentro. Ao entrarmos, Susana percebeu que havia uma mesa recém-desocupad. Enquanto Sergio e ela davam a volta temerosos por nao perder a mesa, eu, que nao perder a criança que tem dentro de mim, pulei a janela e me sentei.
Isto foi o mote para que inciássemos uma linda conversa sobre molecagem, ser criança, tolhimento...
Em seguida, como Sergio e Susana têm um encantamento pelos sons da língua portuguesa, ficamos brincando com as palavras que tinham sentido diferente, embora se escrevessem de forma semelhante, nas nossas línguas.
A melhor parte dessa conversa foi quando começamos a falar dos palavroes. Susana era pudica. Tudo o que se dizia, ela afirmava que era pesado, nao repetia os palavroes, nao queria que Sergio me ensinasse ou repetisse quando nao entendia. Por isso, começamos uma conversa filosófica sobre a repressao da sexualidade e sua face disposta na negaçao do corpo humano com lugar de beleza e satisfaçao. Afinal, todos os palavroes tem algo a ver com o corpo e com a expressao da sexualidade.
Em alguns momentos, Susana aproveitava para brincar com o meu modo de falar espanhol, que se assemelha mais ao modo ibérico que ao argentino, e fazer algumas correçoes no meu modo de dizer algumas coisas. Por um segundo, quando lhe disse algo sobre a imposibilidade de falar tudo perfeito como uma pessoa de fala espanhola, ela pensou que eu estivesse chateado e me disse que nao iria mais falar sobre isso.
Na verdade, eu gosto que me corrigem porque tenho mania de perfeiçao, e essa seria uma forma de tornar o meu espanhol cada vez melhor. Quando as pessoas dizem que falo perfeito, nao acredito. Sei que ainda posso melhorar.
Bom, ficamos horas conversando, até que bateu o cansaço e a lembrança de que no outro dia iria para Montevidéo bem cedo.
Tiramos fotos juntos... tirei algumas fotos de Susana e Sergio e iniciamos o caminho para o hostel.
Enquanto percorríamos os caminhos portenhos, ambos me falavam do nosso encontro, de sua satisaçao em me conhecer, de como falavam de mim para sua família... nem de perto imaginavam como eu era quem estava feliz em ter encontrado pessoas tao lindas, nem imaginavam que sua existência em minha vida a havia posto publicamente para que todos os meus amigos, amigas e quem quisesse ler o que escrevo, pudessem saber deles.
Para completar sua entrega, na porta do Hostel, Sergio, com os olhos molhados, e Susana, chorando, me disseram que a minha vida havia tocado suas vidas. E, mais... com um pouco de exagero, me lembraram que já tinham me dito que eu parecia com Jesus Cristo e que, para eles, eu era o seu Jesus Cristo. Que era um modelo de ética e de dedicaçao para as pessoas.
Fiquei feliz com tudo isso. Mas, ao mesmo tempo, me senti obrigado a suportar, mais uma vez, a responsabilidade de seguir uma vida com etica, respeito e dedicaçao às pessoas sem decepcioná-las. O que, às vezes, me tira o direito de ser eu mesmo, com os meus limites e capacidades. Me impede de dar outros rumos a minha vida, quando nao quero seguir a mesma rota.
Cantei para eles Cançao da América. Emocionados, nos abraçamos...
Embora muito aberto fisionomicamente para a vida, senti que Sergio tem problemas com o abraço. Nao consegue dar-se no momento do abraço.
Os argentinos se cumprimentam com beijos, mas tudo isso é, muitas vezes, apenas um modo automático e sem sentimento de se encontrar com as pessoas. O próprio Sergio confirmou que isso lhe passava, que nao conseguia dar um abraço, nao obstante quisesse libertar-se do fato nao saber fazê-lo.
Em seguida, me disse que, de outra vez, me daria um verdadeiro abraço.
Evidentemente, nao deixei que essa outra vez se demorasse. Naquele mesmo momento, dems um grande e emocionado abraço. E, a ele unimos Susana. Ficamos os três abraçados por algum tempo, no meio da rua, sem que ninguém pudesse entender o que passava. Apenas sentíamos a existência um do outro.
Ao final, nos despedimos mais uma vez e entrei no Clan. De cara, encontrei Vinícius, lhe contei o que passou e ele também se emocionou. Em seguida, me deu tambem um abraço, antes que me emprestasse seu desertador/celular para ajudar-me no outro dia.
Encantado pela magia daqueles momentos, arrumei as mochilas e fui domir. Cansado e feliz em existir, em encontrar pessoas, em ser um caçador de nuvens.
Um caçador de nuvens... como é bom caçar nuvens.

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