sexta-feira, 18 de janeiro de 2008

Buenos Aires serenos

Depois de tantas experiências, depois de tanta reflexao e felicidade de me sentir outra pessoa, mais ainda, por imaginar que, agora, na volta para Buenos Aires, nao necessito de pressa para conhecer a cidade e as pessoas, vejo, serenamente cada rua, cada pessoa, cada esquina que se cruza e, que ao se cruzar, me leva a uma nova encruzilhada de pensamentos.
Apenas caminho... e caminho... é como se caminhar me levasse a todos os pensamentos e a todos os momentos da viagem. Muitas vezes, inclusive, revivo sensaçoes, interessantes e nao tao interessantes, que constroem esta viagem. Digo constroem porque nada pode ser fracionado. Uma experiência só se conta pelo todo.
Se caminhar é parte deste processo, o dia de ontem nao poderia ser diferente. No meio desta caminhada, a realizacao de algo que se fazia necessário, mas nada que nao estivesse, diretamente vinculado ao propósito central de vivenciar.
Mesmo tendo que deixar a roupa para lavar, precisar comprar uma outra mochila para substituir aquela que se "portou" muito bem até poucos dias... tudo era parte da caminhada do meu dia.
Depois de quase 4h, voltei ao Clan, ao espaço que, como um verdadeiro Clan, faz a cada um de nós se sentir portadores e integrantes de uma família. Uma família um pouco barulhenta, plena de festas durante todos os dias da semana... uma semana mais parecida com o tempo de matrimônio de uma família cigana.
Reorganizei as coisas, agora na nova mochila, e, mesmo querendo voltar logo para a rua, me senti convidado para uma conversa com os brasileiros Roberto e Vinícius, que estao também no Clan. Roberto, aliás, já estava aqui quando estive pela primeira vez. Agora, trabalha fazendo o almoço.
Por quase duas horas, conversamos. É verdade, que os assuntos, em alguns momentos pouco me atraíam por se tratarem de temas e posturas muito machistas. Mas, a presença deles, apesar de certos diálogos, é agradável e brasileira. Digo brasileira no sentido autêntico de acolhedora, compartilhadora.
Depois, quando ía sair, Vinícius se ofereceu para me acompanhar na caminhada da tarde. Mas, na verdade, ele queria companhia para caminhar também em busca de algumas de suas necessidades, agora que vai morar em Buenos Aires por um ano, para estudar medicina.
Por Florida, por Lavalle, por Corrientes... caminhamos em busca de um celular para Vinícius, que se dizia germano-brasileiro, empresário, advogado, doutor em direito tributário por universidade alema, taurino, casado... ufa!
Foi uma tarde para escutar estórias.
Já no final da tarde, enquanto o cansaço de ter ficado a noite no computador escrevendo as memórias de dias anteriores, fomos ao Puerto Madero. Queria ver as passagens em barco para Montevidéo e, ao mesmo tempo, caminhar. Vinícius queria apenas tomar sol. Por isso, depois que vi tudo o que precisava ver para seguir viagem para o Uruguai, paramos por quase uma hora para que ele ficasse ao sol.
Em seguida, subimos de novo para Florida. Como a pizzaria que Vinícius buscava estava fechada, fomos ao supermercado, já muito próximo do hostel, compramos algumas coisas e fomos para "casa".
Aí conheci uma menina alema que gostava muito do Brasil, mas tinha muito medo de ir até o nosso país, segundo ela, por causa da violência. Por um tempo, enquanto comia, conversamos. Tentava eliminar um pouco dos seu preconceitos em relaçao ao Brasil e, escutava sobre suas atividades sociais em Buenos Aires.
Como costuma acontecer em hosteles, a gente conversa com as pessoas e consegue saber seu nome. De fato, nao sei essa informaçao importante. Por isso, a chamarei, infelizmente, de "ela".
Ela me disse que paga para ficar alguns dias brincando, dando aulas de inglês, de instrumentos musicais para crianças e adolescentes de bairros pobres de Buenos Aires (me mostrou algumas fotos deste trabalho, incusive).
Para isso, recebe uma camiseta e passa o dia se divertindo enquanto faz o seu trabalho.
Quem me conhece, deve estar pensando se eu nao vou fazer uma crìtica severa a este tipo de atividade. Evidente que devo fazer uma crítica (nao concordo com este tipo de açao assistencialista). Mas, nao posso ser severo nas palavras. Nao posso ser julgativo e arrogante. Posso ser radical sem ser desrespeitoso para dizer, serenamente, que nao considero trabalho social tudo o que perde a oportunidade de transformar, com direitos e com dignidade a vida das pessoas.
Decerto, as crianzas estao na fase de brincar e brincar pode ser um grande momento para transformar a vida das pessoas, para promover encontros de vida que constroem reflexoes. Mas, esta brincadeira precisa estar ligada à idéia de transformaçao, nunca de manutençao da ordem de coisas.
Toda vez que, numa comunidade, a brincadeira é usada nao para refletir sobre a realidade, mas para esquecer os problemas e aliviar as desconfianças e os medos quanto aos seres humanos que ali se formam; quando estamos pensando muito mais em nossa consciência e em nossa felicidade do que na felicidade daquelas pessoas e na dignidade daquelas pessoas... estamos abandonando a idéia de trabalho social.
Com estas reflexoes, terminei de comer, lavei meus pratos e saí em direçao a ela. Mas, ela se foi. Queria olhar o mapa do Brasil e identificar Aracaju, cidade que lhe apontava como meu lugar de origem.
Ficamos olhando o mapa por um tempo e saímos. Fui para o computador tentar me corresponder com Susana e Sergio, mas também com os outros companheiros com quem havia promovido encontros nesta viagem.
Em seguida, deixei que o sono me fizesse o convite. Tomei um banho e dormi.

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