domingo, 13 de janeiro de 2008

Bolívia - há que se ver com outros olhos

O dia de ontem foi igualmente ao dia anterior, intenso. Era o dia de ir e nao estava certo de que era isso que queria, embora me sentisse obrigado a seguir.
Quando acordei fui imediantemente cumprimentado por Oscar pela entrevista e pela dedicacao aos direitos humanos.
Juan estava triste, como eu e, ambos, ao nos falar, demonstrávamos uma visível emocao.
Todo o tempo, lembrava e fazia questao de manifestar, que o ano acabava de comecar com um monte de presentes. Juan era um grande presente.
Muito reflexivo sobre tudo o que havia passado durante aqueles dias, tomei um banho e fui comer algo antes de sair.
Neste momento, Oscar e Juan comecaram a conversar comigo sobre tudo o que se espera de uma vida, sobre uma viagem como essa... Juan, em especial, me perguntou como eu me sentia, se estava como se fosse um outro ser humano. E, completou dizendo que, as vezes, um lugar nao promove nada a uma pessoa, que simplesmente se passa sem se ter percebido nada de novo em si mesmo, enquanto, para outros, um lugar pode se tornar intenso e significativo, como acreditava que tinha sido Tilcara para mim.
De fato, Juan tinha razao. Eu me sentia outro. Eu me sentia encontrado, mas, pela primeira vez na vida, nao sabia como expressar um sentimento.
O único que consegui fazer foi me desprender de uma camisa que ganhei de presente do MST quando de uma causa exitosa para doá-la a Juan.
Eu sabia que aquele objeto me vestia da luta e da verdade que me pertencia. Mas, nao podia deixar de compartilhar tudo aquilo com Juan, depois de tanta solidariedade. Foi mais bonito do que sair com a camisa, ser portador do brilho dos olhos e do abraco de Juan.
Me sentia pleno daquele momento, mas, ao me despedir daquela pessoa e daquele lugar inesquecíveis, nao conseguia olhar para trás. Simplesmente, desci a ladeira que, naqueles dias, me levava a casa de Juan, enquanto me imbuía do novo caminho que estava por se iniciar, e, fui encontrar Radek e minha carona.
Até que o carro chegasse, conversamos muito. Radek me preparava para o que eu iria encontrar na Bolívia e me incentivava a ir. Por outro lado, estava muito preocupado em nao aproveitar nada do país porque teria que voltar muito rápido, de modo que pudesse, ainda, conhecer Assuncao e Montevidéo.
Quando chegou Roger, um frances radicado na Argentina, sogro de Radek, subimos no carro e por, quase duas horas e meia, percorremos a quebrada de Humauaca em direcao a Bolívia.
Roger e Radek, juntamente com Mariel, uma amiga de Radek, iriam buscar instrumentos musicais indígenas no lado boliviano da fronteira.
Quando cheguei na imigracao, do lado boliviano, vi Gustavo e Dinis. Muito felizes por aquele novo reencontro casual, nos cumprimentamos efusivamente e, juntos, depois que fizemos todo o tramite de entrada, passamos a percorrer Villazón (cidade boliviana que faz fronteira com a parte Argentina da Quebrada de Humauaca).
Me sentia cansado por causa da altitude de quase 3000 m. Gustavo e Dinis também, mas precisávamos chegar rápido a estacao de trem para tentarmos comprar passagens de trem. Se tudo desse certo, eu iria para Oruro e depois para La Paz, eles, para Tupiza.
Depois de quase duas horas de espera, os meninos conseguiram suas passagens, enquanto eu, atravessado por um argentino e uma brasileira que se puseram em frente ao caixa para comprar as últimas 6 passagens, nao consegui. Era hora de colocar em prática o Plano B, ir a Potosí e, quicá, a Sucre. Rapidamente, acompanhado de Gustavo e de Dinis, voltei a rodoviária e comprei passagens para Potosí através da Empresa Illimani.
No caminho, encontramos Pedro, um brasileiro de 22 anos que mora na Argentina há 13. Já falava com um sotaque portenho impressionante e, a parte, era também um ser impressionante.
Tinha acabado de chegar a Villazón e voltaria para Buenos Aires em bicicleta ("La Glamourosa"), durante um mes e meio.
Logo, Pedro se juntou a gente. Almocamos juntos e fomos em direcao a Praca Central de Villazón para conversarmos, tirarmos fotos para que ficasse de recordacao. Neste momento, se integraram ao nosso grupo, Livia, da Suíca, e um outro viajante em bicicleta. Com excecao de Gustavo e Dinis, todos viajam sozinhos.
Enquanto esperávamos o horário da viagem de Gustavo e Dinis, ficamos todos reunidos. Era um energia tao boa que parecia que nos conhecíamos fazia muitos anos. Nos encorajávemos e enconrajávamos Pedro a seguir seu caminho.
Ele parecia se apegar aquelas pessoas e aquele momento por se sentir um pouco inseguro e temeroso quanto a gente que iria encontrar mais adiante.
De minha parte, o que eu imaginava era que Pedro se sairia muito bem. Afinal, era alguém que carregava nos olhos a vontade de descobrir o novo e que parecia ter uma energia muito forte e limpa. E, isso ficou mais claro quando, depois que se foram Gustavo, Dinis e o outro viajante em bicicleta e ficamos Livia, Pedro e eu na porta da estacao de trem. Pedro organizava a bicicleta e, nós, na medida do possível, o ajudávamos.
Quando tudo estava pronto, resolvemos descer. Pedro iria atravessar a fronteira e, Livia e eu, iríamos pegar os nossos onibus.
No momento da despedida, mais emocao. Estávamos todos inebriados uns dos outros, ao tempo em que carregávamos todos a mesma apreensao, constante entre os viajantes "solitários", o apego aqueles com quem nos idenficávamos.
Mas, no máximo, agora, o que podemos compreender é que estamos juntos por caminhos diferentes.
Perto de 18h, o horário marcado para a saída do onibus para Potosí, fui em direcao a rodoviária, mas logo fiquei sabendo que o onibus parava numa rua próxima. Quando avistei o onibus nao pude acreditar que nao era o da foto que vi na hora da compra.
Foi uma decepcao, por um lado, enquanto por outro, comecava a perceber que a Bolívia precisava ser vista sem julgamentos; que era preciso desprender-se de certos valores e de certas crencas.
Todo o tempo me lembrava disso para nao julgar as coisas e as pessoas. De um momento para outro, estava feliz em ver mulheres e homens, conscientes de sua indigenidade, com suas roupas típicas, em ver a gente comendo coisas com as quais jamais havia tido contato, em ver tantas cores, em ver tantos artesanatos e tanta gente querendo sobreviver com dignidade, através de sua luta e de seu trabalho. Por outro lado, estava apreensivo por ver jovens assimilando a cultura estudonidense, através da música e da vestimenta.
Com um atraso de quase uma hora, compartilhado com um casal de argentinos, Guillermo e Nora, comecamos a viagem pela estrada de mais de 600km em puro chao batido.
Com a poeira, nao se podia respirar, como nao se podia dormir, devido ao barulho das janelas soltas e da poltrona que nao se mantinha deitada. Mas, pude ser compensado por um céu inesquecível. Pleno de estrelas, completamente brilhante, do altiplano boliviano. Deste mesmo altiplano, parecia ter a percepcao, quando olhava ao longe, da circularidade da terra. De verdade, me sentia como se estivesse no meio de uma bola-de-gude, de um ponto em que pudesse sentir o céu se fechar sobre a cabeca. Era lindo!
Isso foi muito importante para que esquecesse as quase 9h de viagem e a chegada a Potosí, com o corpo e com a mochila completamente cobertos de pó. Eram 4h da manha, fazia muito frio, uns 4 graus, e nao sabia para onde ir.
Depois de quase sair só, resolvi atender ao conselho de um policial e me juntar a Guillermo e Nora em um táxi que os deixaria no hostel que sua filha havia indicado. Infelizmente, este lugar estava fechado.
Depois de quase congelar, esperando que alguém nos atendesse, descemos em direcao a um hotel que estava aberto. Como a permanencia nao era barata, mas, pelo menos, havia luz, ficamos na porta, esperando que as primeiras luzes do dia se mostrassem.
De repente, o vigilante do hotel, percebendo que nao esperávamos ninguém, como imaginava antes, nos convidou a entrar para passar o frio. Aceitamos o convite e, enquanto buscava algo no catálago telefonico, energia elétrica se foi. Se me sentia "cego" de Potosí, agora, de verdade, eu nao via mesmo.
Quando o dia amanheceu, mesmo com o frio absurdo, fomos em direcao ao Residencial Tarija, indicado pela filha de Guillermo e Nora. Depois de uma espera de quase uma hora, uma senhora nos atendeu, dizendo que nao havia lugares.
Em seguida, já existiam lugares, mas com precos muito mais caros do que ocorrem na Bolívia. Queria cobrar para cada um de nós 60 bolivianos, enquanto cobrava de um senhor que estava fazendo sua entrada naquele mesmo momento, 25 bolivianos.
Deixei minhas coisas com o casal e fui procurar outro lugar.
Enquanto caminhava pela cidade completamente fechada, avistaei uma porta aberta. Se tratava de uma pequena agencia de viagens em que se encontrava Helen. Sem titubear, ela pegou um carro e me levou até um hostel da rede Hostelin Internacional.
Por sorte, o lugar tinha vagas. Com o cansaco que tinha, nao podia caminhar mais, salvo para buscar minhas mochilas com Guillermo e Nora.
Já com toda a bagagem, dormi. Precisava recuperar forcas para conhecer a cidade.

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