domingo, 13 de janeiro de 2008

Um dia cheio de acontecimentos

11 de janeiro

O dia em que Taís iria iniciar sua volta para o Brasil comecou com muito cansaco e com um forte sentimento de perda. Cansaco, pelo dia anterior, em que, mesmo cheio de tensao muscular e de dor devido ao percurso íngrime, Taís se postou de minha salvadora e me fez chegar até a "gargante do diabo"; sentimento de perda, pela pertida daquela que tinha sido a minha companheira nas últimas semanas.
Levantei e chamei Taís para que se organizasse e seguisse seu caminho. Ainda que fosse difícil para mim aquele momento, estava certo de que cada um precisava continuar em seu rumo.
Eu tinha certeza de que meu caminho também estava aberto e, por isso, nao podia cerceá-lo nem cerceá-la. Sabia que era preciso seguir. Em algum momento, a mim também seria exigida a continuidade da caminhada.
Taís era quem nao acreditava nisso. Ela achava que, com a minha permanencia na casa de Juan, nossa amizade e a vontade de disfrutar de momentos juntos, me faria permanecer em Tilcara até bem próximo do dia de voltar para Aracaju.
De fato, por um lado, era este o sentimento, o de permanecer. Sobretudo, porque Juan nao é o tipo de pessoa de quem se possa apartar tao fácil. Sua sensibilidade para viver a vida, para encontrar e tratar as pessoas, bem como os seus despreendimento e solidariedade sao cativantes. Em complemento,
é um ser ilumidado pela natureza do lugar em que vive, pelo seu grande conhecimento, pela música e pela arte por que se deixa tocar.
De sua parte, Juan
também nao parecia querer que me fosse. Quando disse que nao acamponharia Taís, ele foi todo comemoracao.
Quanto a mim, eu também comemorava. Afinal, era o momento mais forte de toda a minha viagem. Era a primeira vez que sentia, de fato, o encontro com as minhas buscas: o encontro com a solidariedade latino-americana, o encontro com pessoas cujo brilho dos olhos e a vontade de atuar no mundo se viam patentes.
Isto que digo parece nao ser um sentimento apenas meu. Taís também parecia sentir a forca do encontro com Juan e, quase nao podia deixar a casa em que estava fazia alguns dias. Até bem perto do horário de sua viagem, resistiu em descer para a rodoviária. Mas, eu, apesar de nao querer acreditar que ela estava indo, lembrava todo o tempo que podia perder o onibus.
Faltando 10 min para o horário marcado para a saída, deixamos Los Molles em direcao a rodoviária de Tilcara.
Quando chegamos aí, estavam Gustavo e Dinis, mas nao podia interagir tanto com eles. Queria voltar logo a casa de Juan e nao lembrar que Taís iria embora naquele momento.
Minha tristeza era tao profunda que parecia contagiar o universo. O céu nublava, os cumes das montanhas se encobriam, a temperatura caía vertiginosamente. Chegava aos 8 graus, embora nao se pudesse perceber tanto, devido a baixa umidade local em Tilcara.
Vim a Los Molles povoado daquela perda e, ao entrar no quarto, Juan e Ceci (sua namorada) estavam assistindo ao filme Paris-Texas. Juan, de imediato, percebeu a minha triste e, com o olhar, me fez sentir que estaria tudo bem.
Em seguida, me convidou para me juntar a eles. Por um tempo, estive presente, mas, com o cansaco, acabei me rendendo a um cochilo.
Quando acordei, foi Juan e Ceci que foram deitar. Juan, principalmente, estava muito cansado. Fazia dias que dormia tarde e acordava cedo para atender bem a seus hóspedes, seus amigos e seus convidados que se tornavam seus amigos, no caso Taís e eu.
Acabado o filme e aproveitando o fato de estar só, me pus a escrever as memórias do dia anterior, de modo que nao as perdesse. Refletia sobre cultura, sobre funk, sobre como distintas culturas e manifestacoes populares podiam dialogar entre si, quando o telefone chamou e Juan acordou com o susto.
Pela "milésima" vez, nos últimos dias, se sentia obrigado a dizer que nao tinha vagas em seu hostel. Depois que terminou a chamada, quis interagir com os meus escritos e com as minhas reflexoes.
Juan me falava sobre as dificuldades e condicoes locais dos indígenas do norte da Argentina. Como era difícil manterem sua identidade e assumirem essa identidade, depois de tantas interferencias externas em suas culturas.
Falávamos sobre como a massificacao cultural tem a capacidade de negar a condicao de sujeito de producao cultural de um povo, do "tapinha que nao dói", quando Juan sacou de seu rico aservo musical brasileiro um DVD de Caetano Veloso (Noites do Norte), em que Caetano canta o dito "tapinha".
Neste momento, nos envolvemos em uma conversa sobre como é possível fazer política com a ironia e com a metáfora, coisa que
, segundo Juan, a música argentina tem pouco por falar de política tao diretamente que perde sua capacidade poética.
No meio dessa conversa, colocou Jorge Drexler, me mostrou algumas outras músicas...
Povoado de angústia sobre a possibilidade de ir ou nao a Bolívia, no dia seguinte, comecei a compartilhar com Juan minhas preocupacoes com o tempo e com a inviabiliazacao de uma parte do plano de viagem.
De imediato, Juan propos que fossemos falar com um amigo seu, de origem boliviana, grande conhecedor de seu país. Deixamos Los Molles por um momento e fomos encontrar Radek no seu trabalho.
Quando Juan falou com Radek sobre meu interesse de ir a Bolívia, ele se transformou em um só sorriso. Estava feliz de alguém querer conhecer o seu país, sua rica cultura, sua gente.
Comecamos a conversar e quase nao paramos mais. Entramos em temas políticos, falamos de Evo Morales (Radek é um entusiasta do Governo de Evo), falamos sobre a luta dos indígenas para ter o seu reconhecimento na Bolívia e no norte da Argentina... em alguns momentos, Radek queria saber do Brasil, do governo Lula, da luta dos sem-terra.
Dialogávamos de verdade sobre como as lutas por justica social eram tao importantes na América Latina.
Ao perceber que Juan estava preocupado com seu hostel, interrompi a boa conversa com Radek e voltamos para casa. Mas, antes, passamos numa padaria e num supermercado para comprar paes, biscoitos e outras coisas que eram necessárias para melhor atender aos hóspedes e a nós mesmos, que morríamos de fome.
Em Los Molles, enquanto comíamos, Juan, Oscar (um senhor amigo de Juan que havia chegado naquele dia) e eu, o telefone chamou. Era Radek para dizer que tinha conseguido uma carona para mim até o lado boliviano da fronteira com a Argentina e para me convidar para falar em uma rádio comunitária sobre o Brasil, sobre os sem-terra, sobre sua conjuntura política.
Por causa do frio, diferente do fiz a tarde, quando saí com Juan só de bermuda e um casaco fininho, coloquei muita roupa e fui em direcao ao local marcado por Radek.
Confesso que, quando encontrei com ele, estava muito nervoso. Era a primeira vez que falava em para uma rádio em espanhol, ao mesmo tempo em que teria a companhia de um antropólogo reconhecido na Argentina por seu trabalho com os indígenas do norte de seu país e da Bolívia.
Até quase meia-noite, fizemos um interessante bate-bola, apesar de Adolfo Colombres quase nao deixar ninguém falar. Ele parecia se bastar em si mesmo. Nao sabia e nao conseguia dialogar sobre conhecimentos, talvez, por acreditar que nao havia nada mais por aprender.
Ao final, Isabel, esposa do mantenedor da rádio, cujo nome nao lembro, me pede para ensinar-lhe a fazer beiju de tapioca. Infelizmente, ela tinha a farinha, mas nao era possível fazer o beiju. A farinha nao tinha nenhuma umidade.
Acabamos, Radek e eu, nos despedindo de Isabel e fomos em direcao ao restaurante em que Juan estava com seus amigos e sua namorada.
Depois de quase duas horas, voltamos para casa. Estava cansado, mas Juan queria que o ajudasse a fazer um roteiro de viagem pelo nordeste brasileiro. Apaixonado por nossas manifestacoes culturais, queria conhecer o povo, queria interagir com a língua portuguesa...
Desenhei um mapa, tracamos algumas idéias, de modo que, no Sao Joao, Juan possa estar no Brasil desfrutando de nossa cultura e nos deixando disfrutar de sua companhia.

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