terça-feira, 15 de janeiro de 2008

Potosí

Dia 13 de janeiro

Depois de uma noite nada confortável pelas estradas da Bolívia e da maratona em busca de um lugar para ficar, consegui dormir muito pouco.
Estava ansioso e com um pouco de temor do que pudesse me acontecer por causa da altitude de 4.060m em que se situa Potosí. Resultado, nao consegui dormir.
A parte isso, o piso do hostel era de madeira e, quando se pisava fora do quarto, a cama vibrava sem que pudesse relaxar e me deixar descansar.
Um pouco depois de 9h da manha, voltei a caminhar pelas ruas de Potosí, em busca de algo para comer e da agencia que tinha me ajudado, de modo que pudesse conseguir mais informacoes sobre a cidade.
Cheguei ao mercado municipal e percebi que muitas pessoas em volta de uma barraquinha comiam coisas muito pesadas para um café-da-manha.
Olhava para todos os lados e o único que conseguia me chamar atencao eram as mulheres de "pollera", uma vestimenta indígena "colla". Era lindo observar as cores das saias, os bordados, as mantas e os chapéus (com flores ou completamente pretos, equilibrados sobre a cabeca).
Para nao ser mal-educado e também para nao parecer que olhava as pessoas como "bicho raro", como se fala na Argentina para uma olhada discriminante, sempre pedia as pessoas que me deixassem tirar fotos. Mas, nunca conseguia, porque, segundo Evelyn, da agencia, as mulheres pessam que estas fotos sao vendidas em outras partes do mundo, sem que se reverta nada para elas e para a Bolívia.
Depois de uma longa caminhada, encontrei uma barraquinha que vendia água mineral, suco industrializado e alguns biscoitos. De fato, nao me sentia preparado para tomar sucos expostos e comidas feitas em condicoes higienicas nao muito confiáveis.
A cultura de usar as maos para comer, para servir, para preparar as coisas sem que sejam lavadas está muito forte na Bolívia.
Em seguida, enquanto procurava um lugar para telefonar para casa, depois de quase 5 dias sem conseguir dar notícias, vi uma pequena padaria. Foi um sonho! Mas, este sonho se acabou quando percebi a mulher pegando o pao que iria comer com a mesma mao que me havia pegado o dinheiro e cocado o nariz.
Apesar disso, tentava sempre me lembrar que exigir higiene poderia ser uma forma de afrontar a cultura local e de molestar as pessoas daquele lugar.
Mesmo me sentindo forcado, comi todos os paes que me havia comprado e me dirigi até a agencia que me havia ajudado pela manha.
Aí estava Marcelo, um jovem de características indígenas bastante fortes. Perguntei por Helen, a pessoa que me atendeu mais cedo. Ela nao estava e o consultei sobre a possibilidade de permanecer ali enquanto comia. Sem oposicao, comecei a conversar com Marcelo e com as outras pessoas que estavam no local. Aí descobri que nao precisava ter descido do onibus antes do amanhecer, pois, na Bolívia, é um direito permanecer descansando dentro do onibus se este chega em um local no período da madrugada.
Ao mesmo tempo, descobri que aquele seria o último momento antes da terca-feira que estaria aberta a casa da moeda de Potosí, famosa pela exploracao dos indígenas e de escravos durante a colonizacao espanhola.
Marcelo me incentivava a conhecer o prédio e conhecer a história de um dos maiores símbolos da crueldade colonial.
Interrompi minha comida e me fui para o local indicado, vizinho a agencia em que Marcelo trabalhava.
Visita iniciada, cada sala em que entrávamos era uma nova surpresa, Exemplares de moedas cunhadas pelos indígenas e escravos, máquinas usadas para o trato da prata... até que chegamos em uma sala cujo piso, de madeira, mantinha as pegadas dos homens que aí trabalhavam. Faziam tanta forca para trabalhar a prata que as marcas de seus pés íam se formando na madeira. Era impressionante ver e saber de todas as hitórias que ouvia naquele local.
Bom, mas eu disse que tive várias surpresas... um delas foi muito negativa. A guia do museu, apesar de muito conhecedora da hitória de seu país, em algum momento, mesmo diante de tantas marcas de injustica, manifesta gostar muito muito de ter havido a colonizacao espanhola, sob pretexto de que se nao tivesse ocorrido tudo o que ocorreu, nao estaria ali contando aquela história.
Fiquei muito chateado com aquela fala, mas nao tinha tempo para provocar reflexoes que, ao menos, a fizesse pensar em sobre o que estava dizendo, e resolvi ficar calado.
Um argentino, com tracos indígenas bem fortes, a sua vez, nao deixou barato. De imediato, retrucou, afirmando que preferia que ela pudesse contar outra história, nao aquela, de dominacao, de exploracao, etnocídio...
A menina, no entanto, continuava firme em sua compreensao e, todos comecaram a se enraivar.
Depois da visita, voltei a agencia. Me sentia muito cansado com a falta de ar e com a poluicao provocada pelos carros de Potosí.
Aqui merece um parentesis...
Em Potosí, exatamente, pela falta de ar, as pessoas nao fumam. Nao se ve ninguém na rua, com cigarros. Mas, em compensacao, os carros e onibus nao estam ajustados para emitir o mínimo de fumaca que possam. Quando passam, ninguém pode respirar.
Bom, mas voltando...
Voltei a agencia e fiquei conversando com Marcelo. De imediato, quando Marcelo soube que eu era brasileiro, comecou a puxar assuntos de política.
Eu, evidentemente, queria saber sua relacao com a identidade indígena e sobre como via o governo de seu país, haja vista integrar um grupo pequena da sociedade que chega a universidade e que, em geral, se mostra contra o governo de seu país.
De pronto, Marcelo comecou a esbocar sua satisfacao em ter um semelhante na Presidencia da República. Muito entusiasmado, comecou a falar das dificuldades e dos avancos de seu governo. Mas, sem perder a capacidade crítica, se mostrou contra algumas propostas que estao sendo discutidas na Assembléia Constituinte de seu país. Por exemplo, as re-eleicoes em número indefinido.
Ante o tema, concordamos que, nao é porque, a casualidade, se tem um presidente que é favorável aos interesses do povo oprimido, que se pode aceitar as re-eleicoes em número indefinido. Isso é deixar perder a democracia e aceitar uma espécie velada de ditadura.
Foram horas de conversa, com as quais já seriam suficientes para me sentir bem de ter estado na Bolívia, até Marcelo insistir para que fosse conhecer a cidade, já que só permaneceria em Potosí até o outro dia.
Quando chego a praca, dou de cara com Nora e Guillermo. Por um momento, ficamos juntos, conversamos, mas, em seguida, cada um seguiu seu caminho.
Para mim, era hora de caminhar. Durante quase 4h, caminhei, quase sem ar, mas sem me sentir tao incomodado com a altitude, talvez, pelo processo de adaptacao que venho fazendo ao subir pelo norte da Argentina, percorri os pontos históricos da cidade.
O último foi um mirante que fica numa colina, nos arredores da cidade. Quando cheguei ao cume, nao tinha forcas e nao conseguia pensar. Já era perto de 19h e a noite comecava a cair. Tinha receio de passar por certos lugares sozinho, porque todos me avisavam das pessoas que se fazem passar por policiais ou pessoas que, com pura lábia, enganam os visitantes, tomam seus documentos e dinheiro.
Também, nao pude ficar aí por muito tempo. Logo, uma crianca me disse que os portoes iriam fechar e que precisava descer. Ainda sem forcas, mas certo de que para descer todo santo ajuda, corri em direcao abaixo para me juntar a grupos de pessoas que também saiam da colina.
Já de volta a cidade, fui direto ao hostel, queria comer e deitar um pouco para recuperar as forcas.
Quando cheguei estava passando Raul Gil na TV. Imagine!!!!
Comi, conversei com um rapaz boliviano que estava vendo TV, tomei um banho e fui dormir.

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