domingo, 13 de janeiro de 2008

Superar o medo e se deixar povoar da natureza - 09 de janeiro

O segundo dia em Tilcara nao comecou tao cedo. Como estava muito cansado, queria dormir um pouco mais. O suficiente para nao perder o café-da-manha, e o suficiente para descansar das longas caminhadas nas quais me envolvo há mais de 20 dias. As 9h me despertei e chamei Taís. Já estava com tudo mais ou menos organizado para deixar o hostel em direcao a casa de Juan.
Comemos e fomos para Los Molles. Aí, Juan nos recebeu com um sorriso e com as palavras que me permitiram compreender aquele encontro de vida: voces vieram! Vamos dar um jeito para acomodá-los.
De repente, enquanto nos organizávamos para a caminhada do dia, Juan comecou a mostrar um monte das millares de músicas brasileiras que tem. Entre as músicas e cantores que me mostrou estava Chico César, o que me fez sembrar da linda Paraíba, estado pelo qual guardo uma avassaladora paixao. Enquanto Juan colocava o CD ou DVD de Chico César, tentei ensinar a ele e a Taís como se dancava ciranda e, depois, sob o som de cantores brasileiros que rendiam tributos a Noel Rosa, samba.
Juan conhece muito da música nordestina, paraibana e pernambucana. Tem o sonho de ir ao Nordeste brasileiro, de conhecer a Paraíba, terra de Chico César, por quem parece ter encantamento especial. Diante da minha paixao pelo nordeste, pela Paraíba e pelo meu Sergipe, nao podia deixar de convidá-lo para conhecer as nossas terras e mais um pouco da nossa cultura e do nosso povo. Ele ficou muito feliz com o convite e prometeu pensar no assunto.
Enquanto isso, lhe dei o meu MP3 para que gravasse as músicas que trazia. Taís fez o mesmo. Queríamos compartilhar com ele tudo o que tínhamos de melhor da nossa música, mas nao podíamos ficar mais tempo em casa. Precisávamos conhecer alguns lugares, principalmente, a cocheira Garganta do Diabo.
Perto 11h saímos em direcao a cachoeira. No caminho, passamos por uma ponte que nos levaria a Pucara, um sitio arqueológico local. Resolvemos descer e conhecer o lugar. Até quase 15h passamos percorrendo as ruínas de Pucara, local em que encontramos as argentinas que tinham ido conosco ao cerro em Salta.
Em seguida, nos demos a chance de comecar nossa caminhada mais longa do dia. Seriam quase 2h para cima de uma montanha, por um caminho cheio de pedras que nos levaria até a Garganta do Diabo.
No caminho, encontrei Irene, uma argentina de La Plata, que, ao olhar a paisagem e imaginar que seria importante para minha vida ter uma foto naquele lugar, com aquela paisagem montanhosa ao fundo, se ofereceu para tirar uma foto minha.
A partir daí, segui com Irene e com seus amigos, Mauro e uma menina que nao se apresentou, enquanto Taís vinha mais atrás, com dificuldades de caminhar, por causa da altitude e da falta de preparo físico. Em um momento, Irene me disse que gostava da música brasileira e do som suave do portugues e, me pediu para que cantasse alguma música de Caetano Veloso. Assumi Sampa como música que nos iria adornar a paisagem, embora a descricao caetaneana nao tivesse nada a ver com aquele lugar. Mesmo com a falta de ar e com o esforco físico, cantei a música. Ao final, Irene me deu de presente tres pedras que recolheu enquanto cantava. Segundo ela, eram presentes da montanha pela linda música. Muito feliz com o presente e muito grato pela interacao, recebi os presentes da montanha e seguimos.
Mais adiante, quando chegamos nas margens de um precipício que nos levaria a cascata, me bateu o panico. O medo de altura nao me permitia desfrutar da paisagem, nao permitia estar ali. Havia muitas pessoas que subiam e desciam, quase sempre, argentinas, e que se colocavam na beira do abismo para tirar fotos. Isso me desesperava ainda mais, ao ponto de nao conseguir descer o sendero aberto na pedra para facilitar a descida íngrime até a cachoeira.
Como no caminho tinha falado sobre o meu medo de altura e da vitória que havia tido ao passar a ponte na ida para o Aconcágua. Neste momento, Mauro me disse ser psiquiatra e que, de fato, quem tem fobia nao pode ser forcado a vencer o medo. Segundo ele ainda, já teria sido um grande avanco ter passado sozinho a ponte para o Aconcágua. Mas, eu queria ir e dizia a Mauro isso. Porque nao poderia deixar o medo me fazer perder a oportunidade de conhecer tantas coisas lindas.
Mauro me disse que seria importante manter a calma, esperar um pouco, para comecar a descer. Enquanto me acalmava, me sugeriu até que deséese com ele segurando a minha mao. Neste momento, Taís me pegou pela mao e me prometeu ajuda. Tentamos descer várias vezes. Mas, nao conseguia. O meu panico aumentava ainda mais.
Mauro, entao, sugeriu um calmante bem fraquinho para que eu deséese (fiquei com um pouco de receio disso, porque nunca tomei essas coisas). Mas, ao procurar em sua carteira e nao encontrar, Mauro me sugeriu que desistisse. Foi quando Taís disse ter um calmante sublingual bem fraco. Era exatamente o que Mauro iria me dar.
Tomei e eles se mantiveram ao meu lado esperando que me sentisse melhor. Quando me senti preparado comecei a descer. Com as pernas tremulas, agarrei a mao de Taís e descemos. Todas as vezes que iríamos virar e eu iria ficar no lado do precipicio, trocávamos de lado… bom, assim consegui descer até a beirada de um outro precipicio. Todos se aproximavam para ver as pessoas descendo o pareado em Rapel, mas eu nao me sentia preparado.
Fomos para o outro lado, em busca da cascata motivo de nossa descida. Caminamos mais vinte minutos e encontramos o que para mim era o paraíso. Cansado, ainda tenso, nao demorei em tirar a camisa, me desvencilhar da mochila e cair na água. Encostado na pedra enquanto a água caía, sentia a energia daquela montanha. Por minutos fiquei sob a água gelada que saltava sobre o meu corpo. Estava feliz por ter me dado a oportunidade de estar ali, de ter superado meu medo, de ter me feito ver e sentir o que a montanha tinha como grande presente, um presente que ninguém leva consigo como coisa, senao como sentimento, como aprendizado. Ou seja, era um presente que ninguém levava e levava ao mesmo tempo.
Depois de quase uma hora aos pés da cascata, voltamos. Trazia comigo 7 ou 8 garrafas de plástico que sao deixadas por algumas pessoas para a montanha em troca do que ela nos dá. Já me sentia mais confiante de cegar mais perto dos precipicios, já me sentia forte para subir o penasco sozinho. Até consegui tirar uma foto na beira do precipicio em que as pessoas faziam rapel.
No caminho, a montanha nos dava mais presentes. As cores que punha com o final da tarde era lindas. As flores pareciam mais amarelas, os cactos, como as nuvens, tinham formas que nos inspiravam a imaginacao…
Depois de mais de 1h30min. chegamos ao pueblo. Minhas pernas, meus pés, depois de tanto caminhar sobre pedras, doíam completamente. Nao conseguia dar qualquer passo. Mas, precisava saber o horário do onibus para Pumamarca amanha, ao mesmo tempo em que precisávamos encontrar um lugar para comer.
Rodamos um pouco, passamos pelas senhoras que nos haviam vendido o pao no dia anterior, conversamos com elas, tiram fotos das tres criancas que as acompanhavam… e, em seguida, chegamos na casa de Juan. Mais uma vez, aproveitamos para falar portugues e ouvir música brasileira. Ao mesmo tempo, necessitava refletir sobre o que me havia passado ontem e hoje, além de escrever sobre tudo isso. Taís e Juan ficaram do lado de fora da casa conversando com as outras pessoas aquí hospedadas e eu me mantive no quarto, escrevendo ao som da música brasileira. Agora, estao no pueblo aproveitando a noite, mas com o meu cansaco e com a minha necessidade de escrever, resolvi ficar.

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