sábado, 5 de janeiro de 2008

Emerge a ideologia da separaçao sobre a "hemandad"

Tinha tomado um banho e, ainda um pouco chateado com o sumisso de minha toalha, desci para insistir um pouco mais com as pessoas que trabalham no hostel para procurá-la. Afinal, ninguém se movia para encontrá-la e me sentia ridículo pedindo para que alguém saísse do lugar e fosse ver onde as pessoas que limpam os quartos podiam haver colocado.
Falei com várias pessoas, fui até o local onde poem as toalhas para lavar e as lavadas e nao estava aí. Supus que pudesse estar em outro quarto por engano, mas ninguém foi ver.
Para nao me irratar por causa de um bem que, apesar da representaçao do carinho de Dona Maria por mim, nao deixa de ser um bem material, nao subi para o quarto. Fiquei conversando com as pessoas que trabalham no hostel e com Mauricio, que é muito amigo de Cláudia, encarregada da gerência.
Em algum momento, começa a passar na TV um quadro de humor represetando um programa de culinária. Nele, havia uma mulher com uma saia super-curta e que, a todo momento, se abaixava para pegar algo na geladeira e deixava à mostra suas partes íntimas.
Quando mostra o apresentador do programa, percebo que ele está com um avental com as cores e a esfera azul anil da nossa bandeira brasileira. Nao dava para ouvir o que diziam porque o som estava também ligado. A tv só mostrava as imagens. Perguntei aos que estavam presentes se podia ser uma piada em relaçao aos brasileiros. De pronto, Mauricio disse que certamente seria sim.
Eu, sem entender muito bem, disse: mas, até agora nao fizemos qualquer piada contra os "hermanos" argentinos.
Mauricio retrucou com veemência enquanto ria: é uma "hermandad" tremenda entre Argentina e Brasil.
Diante disso, falei que em todos os lugares por onde havia passado na Argentina, todos me tratavam como "hermano" e diziam gostar muito do Brasil e de sua gente. Que nao entendia o que estava acontecendo.
Cláudia, de imediato, afirmou que tudo isso era falsidade. Os argentinos nao gostam dos brasileiros e os brasileiros nao gostam dos brasileiros.
Insisti e voltei a afirmar que as pessoas parecem muito simpáticas quando vêem os brasileiros, que dizem querer conhecer o Brasil...
Cláudia me interrompeu dizendo que o futebol nos afasta. Neste momento, seu marido começou a brincar comigo dizendo que estava enganado quanto aos argentinos e Mauricio começou a dizer que se temos Pelé como o melhor do mundo, aqui eles tem Maradona...
Observando todos os discursos, parei e refleti sobre que espécie de gente era essa que, por causa de um esporte em que poucos ganham milhoes para se divertirem, nao podemos unir povos que sofrem de problemas sociais semelhantes, nao podemos disfrutar da companhia e da humanidade das pessoas que temos em ambos países.
Esse era um equívoco. Precisamos superar isso, enquanto povo, enquanto cultura, e essa iniciativa deve partir de ambos os lados. Afinal, um povo, como o Argentino, especialmente, o cordobéz, que tem a referência de humanidade intercultural que era Che Guevara, tao venerado nas ruas, nao pode prender-se, para expor-se ao isolamento cultural e à negaçao ao diálogo, por causa do futebol.
Aliás, o fanatismo no futebol tem sido um problema em muitas partes do mundo. O esporte, como cultura da aproximaçao e do coletivismo, tem assumido, dentro do espectro do individualismo, da falta de perspectivas pessoais de vida, da paixao exorbitante devotada ao prazer e ao efêmero, a condiçao e locus de todas as espectativas para alguns seres humanos. O que é uma grande contradiçao alimentada pelas TV's sedentas de audiência e ganhos materiais, prontas para, em nome de grupos empresariais fortes e com interesses comerciais evidentes, transformar o esporte em uma máquina de produzir dinheiro.
Pensar sobre isso me deixou muito triste. Era como se tudo o que vim fazer com esta viagem, encontrar pessoas e compartilhar a humanidade latinoamericana, tivesse se perdido. Como se já nao fosse possível encontrar com esse diálogo.
Sabia, no meu íntimo, que faz parte da humanidade a contradiçao, a fragilidade em diversos campos, inclusive dos modos de pensar nao libertadores, bem como a capacidade para grandes feitos em nome da justiça e da igualdade. Mas, nao podia deixar de ficar triste. Era involuntário!
Com este sentimento de perda quanto a tudo o que havia conquistado até agora, fui dormir.
Para entender melhor algumas coisas, fui procurar respostas em Fanon, no livro "Os condenados da terra", que trago comigo. Mas, nao conseguia. O calor, juntamente com os meu pensamentos, me impedia de qualquer concentraçao e, desisti da leitura em favor da tentativa de dormir.
Por volta de duas horas da manha, chegam umas meninas ao quarto. Eram quatro norte-americanas. Acenderam a luz, conversaram na maior altura, deram risadas... pior de tudo, ainda chamam o rapaz da recepçao para me acordar e perguntar se sou daquele quarto mesmo.
Depois, quando quase dormia novamente, o rapaz de Israel, que estava dormindo quando cheguei ao quarto, mas que saiu após ser chamado por seus compatriotas, volta e se incorpora ao barulho. Foi um terror! Eu já estava a ponto de dizer um monte de coisas em português com o intuito de que se tocassem... mas, resolvi engolir mais este sapo.
Essa aliás, foi a segunda vez que passava por este tipo de falta de educaçao. A primeira, com brasileiros, a segunda com quatro norte-americanas e um israelense. E, passei a perceber como certas pessoas, de certas culturas, pautadas pelo individualismo exacerbado, sao mal-educadas e nao sabem compartilhar os espaços que sao eminemente coletivos, como os dormitórios em hosteis.

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