domingo, 13 de janeiro de 2008

Os últimos momentos em Salta e o primeiro dia em Tilcara

08 de janeiro
Depois de fazermos uma janta compartilhada na noite anterior, em que estivemos juntos, brasileiros, portugueses, franceses, italianos, argentinos e canadenses, bem como de uma noite de sono profundo, despertei para um novo dia de (re)conhecimento. Agora, meu destino era Tilcara. E, ainda que estivesse feliz por conhecer uma regiao ao norte da Argentina, próxima a Bolivia, plena da cultura indígena e plena de belezas naturais andinas, me dava um sentimento de perda, porque o tempo do percurso até Tilcara, mais ou menos 4h, representava os últimos momentos com Fernando e André, os amigos portugueses que conheci em Mendoza.
Estava um pouco triste, como em todos os momentos em que tive que deixar pessoas com quem me identifiquei, mas, mais uma vez, tentava me acostumar com a idéia de que era preciso partir e deixar partir. Cada um debe seguir seus rumos e eu também preciso ter novos encontros. Com estas reflexoes, nos despedimos de Victor, um indígena que ajudava na casa, perto das 7h da manha, Taís e eu, logo atrás, Fernando e André, saímos para a rodoviária.
Em ponto, as 7h15min. o onibus tomou o rumo de Tilcara. Sabia que o caminho era lindo, cheio de montanhas multicores, mas meu cansaco me impunha dormir, o que fiz pelo menos até Jujuy, a provincia em que está situada Tilcara. Mas, nao posso dizer que, mesmo depois de acordar, nao fiquei meio sonolento, intercalando cochilos e atencao exclusiva para a paisagem. Em um momento em que dormia, recebi uma cotovelada no peito. Era Fernando tentando me acordar para ver uma montanha completamente negra, com o cume completamente coberto de neve. Quase dei um pulo da cadeira, com o susto. E, quando o olhei, ele estava dormindo. Perguntei o que tinha sido aquilo e ele me respondeu que era para que eu visse a paisagem. Neste momento, ri muito porque, de fato, compreendi que Fernando estava dormindo. Se tinha feito aquilo comigo foi porque, talvez, quando foi se virar, percebeu a vista, olhou, me acordou e voltou a dormir.
A partir daí, nao voltei a dormir. Nao podia mais deixar de contemplar, de me deixar afetar reflexivamente, porque aquele lugar que me fazia compreender a minha humanidade compreendendo a humanidade das demais pessoas, ou seja, que me fazia ser humano nas relacoes interpessoais que se dao no espaco, nesse espaco incrivelmente lindo.
Perto de 11h da manha chegamos, Taís e eu em Tilcara. Nos despedimos do companheiros portugueses, com o sentimento de perda a flor-da-pele, e fomos em busca de um hostel, Los Molles, de propriedade de um jovem argentino apaixonado pelo Brasil, indicado por uma amiga de Taís, com quem o rapaz conviveu enquanto foi ao Rio de Janeiro aprender por tugues.
Logo demos de cara com uma ladeirinha. Para quem está com mochilas nas costas… nao é tao interessante, mas a vista com que nos deparávamos e a expectativa em (re)conhecer Juan, depois de tantas coisas a seu respeito de que falava Taís, nao nos fez sentir tanto a subida.
De frente para o vale que se formava ao pé de lindas montanhas vermelhas, na casinha branca inteiramente decorada com coisas antigas, mescladas ao artesato indígena, Taís e eu, inebriados pela vista e pela expectativa de conhecer Juan, chamamos (nao veio ninguém) e entramos. No interior da casa, demos de cara com Juan. Um jovem com uma energia forte, pleno de sua vida, depois de deixar Buenos Aires para viver em Tilcara. Nos falamos um pouco e tudo era como se conhecesse Juan a anos. Me sentia bem, me sentia como se sua casa fosse o lugar ideal para o compartilhamento que acreditava poder existir em Tilcara.
Infelizmente, Juan nao tinha espaco para nos hospedar, mas, um tempo mais de conversa, ele já nao queria que fóssemos embora… mas, Taís e eu, com receio de incomodar, pedimos a indicacao de um lugar em que pudéssemos ficar, pelo menos, por uma noite. Pois, Juan nos disse que teria espaco para a gente no outro dia.
Depois de algum tempo de conversa, compartilhamento e indicacoes de lugares para conhecer em Tilcara, deixamos a casa de Juan. Descemos a ladeira em busca do hostel indicado, de modo que pudéssemos deixar as mochilas e dormir na noite que, decerto, viria depois de aproveitar bastante o dia.
Organizado tudo, almocamos, eu estava há dias sem almocar bem, caminhamos pela praca, em que havia uma feira de artesanatos e voltamos ao hostel para descansar um pouco.
Duas coisas neste meio termo precisam ser relatadas. A primeira delas é a conversa que tivemos com Hortensia, uma senhora indígena que vive da venda do artesanato. Segundo ela, o lugar onde vive é pobre, pleno de dificuldades, com cultura destrocada. Ela mesma é de uma etnia cujo nome sequer lembrava.
O que mais impressinou na conversa que tive com esta mulher foi a sua delicadeza, a sua vontade de tratar bem, a sua curiosidade de saber sobre o Brasil. A parte isso, nos contou que tem duas filhas e que uma delas estuda portugues na escola (na Argentina, se pode optar pelo Ingles ou pelo Portugues nos estudos escolares) e que a ela seria muito bem falar comigo e com Taís, para praticar o que aprendia.
Depois de um tempo, deixamos a baraquinha de Hortensia com a sensacao de mais um encontro de vida, naquele dia, além de Juan.
O outro fato que é importante relatar nao é tao bom. Enquanto voltámos para o hostel, vi uma señora indígena carregando uma crianca amarrada as costas, enquanto tentava trocar as fraldas de uma maiorzinha. Pedi-lhe para tirar uma foto, mas a señora ficou muito emraivecida e nao deixou. Naquele momento, fiquei muito triste porque queria muito ter uma foto que pudesse epresentar a cultura indígena local. Todo o tempo, me preguntava porque teve raiva, porque nao me havia deixado tirar a foto. Mas, enquanto descansava um pouco no hostel, refleti sobre tudo aquilo. Percebi que eu nao tinha direito de tratar as pessoas e as culturas como algo raro, incompreensível, a ponto de torná-los “objeto” de minha curiosidade e de meu olhar dominador excusos. A parte, nao estava em um jardim zoológico para olhar as pessoas e nao absorver e absorver-me de suas vidas, só querer carregar, sem compromisso sua imagen, talvez, para mostrar aos outros que estive em um lugar em que as pessoas tinham tais ou quais costumes ou para sentir-me dono de uma imagem rara, nao sei…
Depois disso, comecei a conversar com umas meninas de Córdoba que estavam hospedas aí também Como algunas delas fazem parte de movimentos sociais na Argentina, fiquei horas conversando. Inclusive, aproveitei o fato de serem de Córdoba para contar os episódios que haviam passado neste lugar. As meninas, que demostravam ser inteiramente contrárias as idéias professadas pelas pessoas do Córdoba Packpackers, comecaram a se irritar com o que ouviam e chamavam todos os que haviam falado asneiras sobre a relacao dos argentinos com os brasileiros de idiotas, falavam de seu equívoco em deixar o futebol se colocar sobre as relacoes humanas…
Depois da boa coversa, Taís e eu pegamos umas bicicletas e fomos para uma estrada em direto a Maimara, um outro pueblo, muito próximo de Tilcara. O caminho nao era tao duro, mas para a gente que vem do nível do mar, era difícil respirar enquanto pedalávamos, era difícil subir as ladeiras…
Enquanto subíamos, cheios da consciencia de que 6km é muito pouco para se percorrer em bicicleta, tínhamos muita ansiedade em chegar. A todas as pessoas que víamos ao longo da estrada, pedíamos informacoes. E, todos, muito carinhosamente, nos recebiam e nos indicavam o caminho. Algumas vezes, como aconteceu com uma senhora indígena que vimos caminando de Maimara para Tilcara, as pessoas queriam falar, as pessoas queriam dizer sua palavra, como diz Paulo Freire. A senhora, por vários minutos, me falou de sua família, de suas filhas, do lugar onde morava… eu, pacientemente, a ouvi e queria que ela falasse mais, queria que ela me tornasse um ser capaz de fazer parte daquele universo sem o olhar perverso do que se arvora de “civilizado” em face de culturas menos conhecidas. Esqueci do tempo.
Terminada a conversa com a informacao de que estávamos a uma hora e meia mais ou menos de Maimara, saímos estrada a fora.
Em duas horas, percorremos os seis quilometros de subidas e chegamos ao nosso destino. Era um lugar lindo, posto ás margens do “Cerro Paletas del Pintor”. Mas, o que mais me impressionou foi o fato de as pessoas serem muito alegres, de terem muitos filhos, de estarem todo o tempo tentando interagir, conversar… quando chegava em uma venda para comprar água ou qualquer coisa para comer, quase nao saíamos. As pessoas queriam saber de onde vinham, para onde iríamos, o que fazíamos alí…
Até que fui chamado por um señor. Ele com muita certeza, me chamava de brasileiro e me pedia para falar portugues com sua filha pequena. A ela encantava escutar os sons do nosso portugues. Primeiro, esquecendo que estava com uma camisa do MST, perguntei como sabia que eu era brasileiro e, prontamente, fiquei “sabendo” que era pelos meus óculos. Até que chegasse de volta ao hostel, nao tinha me dado conta do verdadeiro motivo.
Em seguida, falei algumas coisas com a menina e fui tomado para uma conversa com o homem que falava muitíssimo (mais do que eu até). Por quase uma hora, ficamos Taís, o senhor e sua esposa, um outro casal e eu, conversando sobre questoes políticas, sobre América Latina… o que gosto muito dos argentinos é que sao, de modo geral, muito críticos e gostam muito de falar sobre política, sobre seu país…
Na conversa, descobri que o homem conhece Aracaju. Ele trabalha na Santista Textil, empresa que tem uma sede em Nossa Senhora do Socorro, município sergipano situado na regiao da grande Aracaju. Mas, como o tempo era nosso inimigo (tínhamos que voltar antes das 19h30min para devolver as bicicletas), interrompi a conversa e, quando vínhamos de volta a Tilcara, eles nos pediu que tirássemos uma foto juntos. Nao titubeamos em aceitar. Só é uma pena que tive tanto contato com tantas pessoas que nao posso me lembrar do nome de todas.
Em Tilcara, resolvemos comprar algumas coisas e ir até a casa de Juan. Ele tinha nos convidado para voltar a tardinha para conversarmos e, se possível, darmos uma volta pelo pueblo. Também, queria aproveitar a vista, o entardecer desde sua casa. E, no caminho, passamos por duas mulheres que vendiam um pao andino, assado na brasa. Muito simpáticas, comecaram a conversar. Explicavam como se fazia o pao, sua origem, falava de seu pueblo… interagimos, de verdade, com estas pessoas e, quando saíamos, pedimos para tirar fotos todos juntos.
Quando chegamos na casa de Juan, estava Pedro, que, ao me ver com a camisa do MST, veio em minha directo e perguntou se era uma camisa do MST, se eu era do movimento. Respondi que sim, que era adrogado do MST e, isso foi o mote para conversarmos por horas. Como estava muito cansado, meu español me custava. Era a primeira vez que saía do automático e nao conseguia expressar todas as idéias desde quando comecei a viagem.
Perto das 22h voltamos para o hostel. O banho quente se encerra as 23h e, como fazia muito frio e nao podíamos ficar sem um bom banho…, corremos.
Quando chegamos no hostel, estávamos mortos, mas haviam muitas pessoas e tinha vontade de falar com todas. Melhor, eram somente argentinos, o que poderia me colocar mais próximo da cultura do país e do modo de ser das pessoas daqui.
Em algum momento, me dirigi para o cuarto e chegou um casal jovem que vive em Buenos Aires (infelizmente, nao nos apresentamos). Por horas, ficamos conversando sobre política, meio ambiente… e eu, muito feliz pelo fato de poder dialogar sobre temas tao interesantes.
quase nao consigo tomar banho. Queria interagir com aquelas pessoas tao simpáticas, mas Taís me lembrava da necessidade de deixar por um tempo a conversa.
Bom, mas acabei indo para o banho e, em seguida, para a cama, porque no outro dia precisava estar bem para caminhar.

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