segunda-feira, 7 de janeiro de 2008

Um Salta para novos sentimentos


Perto de 9h da manha chego a Salta, no norte da Argentina. Já tinha me avisado Érica de esta regiao expressava com mais efusividade seus sentimentos latinoamericanos e indígenas. Por isso, vinha com certas expectativas, ainda que um pouco soterradas pelo que senti em Córdoba.
Quando cheguei na Rodoviária...
Nao nao... preciso contar o que sonhei na noite anterior primeiro. Foi a primeira vez que lembro o que sonhei.
Segundo minhas lembranças, um pouco distorcidas, é verdade, porque os sonhos sao, muitas vezes, loucos, estava em algum lugar, que, em alguns momentos, me parecia o nordeste brasileiro e, em outros momentos, o norte da Argentina. Neste espaço, encontro duas crianças, um menino e uma menina. Eram irmaos. Estavam em situaçao de rua.
Começamos a conversar e a conviver de alguma forma. Passado um ano, percebi que eles me haviam escolhido com seu pai e, eu me sentia pronto para adotá-los como filhos.
Dei entrada em todos os papéis, fiz todo os trâmites legais necessários... mas, no dia em que eles viriam morar definitivamente comigo, estive na sede do Juizado da Infância e eles estavam com outros pais. As crianças choravam, eu também, e, inconformado, perguntava a assistente social o porquê de estarem com outros pais se seu pai era eu. Com tentativas em vao de obter uma resposta, meu sonho foi interrompido pela chegada a Salta, perto de 9h da manha.
Com este sentimento de perda (tanto pelos filhos que havia perdido, quanto pelos dois dias anteriores em Córdoba) e expectativa sobre a cultura do povo de Salta, mais parecido com o povo boliviano em termos físicos, "aportei". Na rodoviária, me dirigi ao posto de informaçoes em que nao havia ninguém e fiquei aí por vários minutos...
Enquanto esperava que chegasse alguém que pudesse informar algo sobre como chegar em um albergue, mentalizava um encontro com Taís. Era como se imaginasse que iria encontrá-la no terminal de ônibus. Isso porque ela tinha enviado um comentário para o meu blog dizendo que estaria em Salta no domingo.
De repente, vejo duas meninas entrando no terminal. Uma delas era Taís. Que felicidade!!!! De imediato, corri em sua direçao e a abracei. Ela também pareceu muito feliz.
Estava com Emilie, uma menina canadense, que havia conhecido no Valle de la Luna, em San Juan.
Caminhamos por quase uma hora até um albergue, onde Taís acreditava ter feito uma reserva. Mas, quando chegamos aí, quase mortos de carregar nossas mochilas, nao havia qualquer reserva. Partimos para um outro. Era melhor. Todo limpinho, muito organizado... o cara ainda nos ofereceu o café-da-manha.
Deixamos as coisas num quarto e, enquanto comíamos, chega André, um português que conhecemos em Mendoza. Segundo ele, já tinha deixado recados em todos os hosteis para mim. Dizia que se eu chegasse, ele e o outro português, Fernando, estariam hospedados próximos à rodoviária, numa casa de família e que era para eu ira até este local, porque já tinham conversado com o pessoal para que eu e Taís ficássemos aí também.
Terminamos de comer e, enquanto fui ao banheiro, Fernando e Taís conversaram com o administrador do albergue e conseguiu que saíssemos sem pagar nada. Assim que saio, recebo a notícia de que nao ficaríamos ali, de que iríamos para a casa de família, nesta época, cheia de hóspedes.
Mais uma hora de caminhada e chegamos a uma casinha linda. Estava cheia de gente. Um monte de argentinos.
Tive um pouco de receio do que pudesse passar aí e, assim que cheguei, usando uma forma muito brincalhona de conversar, perguntei se naquele lugar teriam problemas com brasileiros. A resposta imediata foi: NAO! Adoramos brasileiros.
Daí em diante, começamos a conversar, contei o que havia acontecido em Córdoba e o que eles me disseram é que todos têm problemas com os cordobeses.
Nao posso acreditar nessa questao de todos terem problemas com os cordobeses, mas sei que passei um dia lindo ao lado dessa gente.
Foi só deixar as coisas no quarto e sairmos, Fernando, André, Taís, eu e cinco argentinas (Luc, Sole, Juli, Coc, Belén), todas de Rosário. Inclusive, já me ofereceram casa para ficar quando passar em Rosário.
Caminhamos juntos durante 8h mais ou menos. Subimos uma serra ao lado da cidade e depois, quando descemos, ficamos rodando pelo centro.
Apesar de passar um dia incrível, capaz de me fazer esquecer tudo o que tinha passado em Córdoba, juntos nao podia observar bem a cultura local e nao podia interagiar com as pessoas.
Quando, perto de 8h da tarde eles disseram que iriam voltar para o hostel, saí caminhando em direçao à periferia da cidade. Me disseram que aí havia um mercado de artesanato local.
Caminhei mais duas horas (para ir e voltar) pela Av. San Martín. Mas, valeu a pena. No caminho, vi crianças brincando nas ruas, vi pessoas sentadas na porta, vi pessoas namorando, vi a cidade ferver de sua própria vida, nao daquela vida que, normalmente, se mostra aos turistas.
Em algum momento, encontrei uma mulher rodeada de cachorros. Quando lhe pedi informaçoes, os cachorros me atacaram. Foi muito engraçado, porque a mulher tentava me dar as informaçoes que eu precisava, mas eu queria ir rapidamente daquele local para nao ser mordido.
Bom, continuei andando...
Em seguida, conheci Romina, uma descendente de indígena que vende artesanato nas cercanias do Mercado. Ficamos conversando pelo tempo necessário para que Romina me explicasse tudo sobre o artesanato, sobre como diferenciar o bom do ruim, sobre como, agora, tudo é sintético e de pouco participaçao indígena... me contou isso, mas também que em Salta os censos perceberam que existem mais pessoas da Bolívia em Salta do que originários da Argentina. E, complementou isso com a informaçao de que a cultura local está plena da participaçao indígena, de seus traços físicos, de sua forma de ser, de suas palavras.
Mais adiante... ah, nao falei isso, talvez, para fazer frente ao sentimento que, em Córdoba combateram em mim, o fato de ser brasileiro, usei durante o último dia em Córdoba e o primeiro dia em Salta, uma camisa com as cores da nossa bandeira e com o nome "Brasil" no peito.
Bom, volto a relatar...
Mais adiante, encontro Oscar. Uma figura muito simpática que começa a brincar comigo. Repetia sorrindo Oscar ao me ver: Brasil, Brasil... o mais grande do mundo.
Isso com a tentativa de falar o sotaque que se vende do Brasil em outros países, com os djis, tchis.
De repente, começa a falar de futebol e dizer que adorava a alegria dos brasileiros com a bola. Falava de Ronaldinho Gaúcho e de sua incrível capacidade de lidar com a bola, de fazer malabarismos, falava dos times brasileiros...
Muito delicadamente, lhe pedi para nao falarmos de futebol. Primeiro porque nao gosto muito desse esporte que, ao virar negócio, nos faz rivais, segundo porque é um tema que nos separa e nao nos aproxima. Queria a aproximaçao.
Oscar compreendeu e concordou comigo que futebol era um tema proibido entre brasileiros e argentinos se a intençao era construir uma relaçao respeituosa.
Neste momento, também comentamos sobre as mortes, o modo como os fanáticos se devotam ao futebol, como se fossem suas próprias vidas, capazes de defenderem seus times com a violência e com a morte de outras pessoas.
Quando Oscar e Romina pareciam ser meus únicos encontros com o povo local de Salta naquela tarde, encontro, já na volta, uma família na porta de sua casa. Eram Alicia e Carlos, com seus netos e sua nora Adriana. Carlos pentiava seu netinho e estava louco para retratar aquele momento, mas, com vergonha, passei por eles.
Adiante, resolvi voltar, pedir permissao para fotografar a família e conversar um pouco. Qual foi a minha surpresa, eles aceitaram prontamente e começaram a conversar. Me apresentaram os cinco netos, posaram para a foto e ficamos por alguns minutos conversando. Me mostraram com felicidade sua casa, me falaram sobre suas vidas, as crianças brincavam comigo, eram felizes, apesar da situaçao de pobreza em que viviam.
Aliás, esta situaçao de pobreza era um pouco contraditória com o cartaz do governo de Salta encontrei no caminho de volta. Dizia: "Salta la linda, ahora Salta la justa".
Essa foi a frase com que vim observando as pessoas, a cidade, o modo de vida... tudo para estabelecer contato com essa "justiça" de que se falava. De fato, nao a encontrei.
E, com meus pensamentos, caminhei mais um hora de volta a casa em que estou. Estava cansado, com fome, precisava tomar banho. Mas, os portugueses queriam sair, queriam ir comer fora. Insistiram e acabei indo até o "Paseo de los Poetas". Eles comeram e, como tínhamos marcado com as Argentinas para nos encontrarmos en "La Panaderia", um lugar de músicas típicas, acabie indo também. Mas, o show já estava terminando e voltamos para casa.
Quando chegamos, as meninas estavam lindas e nos chamavam para sair. Mas, depois de mais de 14h de caminhar, nao podia mais nada. Precisava tomar um banho e dormir. Foi o que fiz.

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