quinta-feira, 24 de janeiro de 2008

A reta final

Acho que já estou um pouco farto de viajar. Não sei se já cumpri o propósito do meu percurso ou se, simplesmente, já não consigo enxergá-lo nas andancas que faço.
Depois de 39 dias, viajar não me permite encontrar nada novo e nem encontrar com o novo, do ponto de vista físico. Por isso, suponho que não me inspiro para os encontros espirituais.
Sair de Montevidéo para Buenos Aires, mesmo que tivesse que passar por Colônia do Sacramento antes, nao me afetava. Estava cansado dos dias anteriores em bicicleta e a pé, queria dormir, queria chegar a Buenos Aires, na esperanca de que pudesse me aproximar do dia de voltar para casa. Reviver a minha cultura e, diante dela, absorver o que haveria me proporcionado esta viagem.
Afinal, somente revivendo o cotidiano, posso compreender o que estes dias fora me proporcionaram.
Era este o desejo que me movia desde a noite anterior, quando me separei dos brasileiros em Punta del Este. Precisava cumprir a etapa e me aproximar de casa.
Assim fui dormir e, assim me levantei, depois que fui acordado perto das 5h da manhã, por um pessoal que nao compreende o compartilhamento de dormitórios e arrumava suas mochilas dentro do quarto sem qualquer preocupação em não incomodar as pessoas com o barulho.
Como não consegui dormir, apreveitei o tempo e o computador livre em Montevidéo para escrever as memórias dos últimos dias, ou pelo menos, aquilo que me mais me afetou e, portanto, ficou em minha mente, nos passados mais próximos 3 dias. O reflexo dos momentos constituídos desde a saída de Buenos Aires até Montevidéo e a minha permanencia na capital uruguaia.
Apesar da ansiedade para escrever, para registrar tudo, com o passar da hora, ía ficando nervoso e preocupado em terminar logo para seguir em direçaõ a Colônia. Chegar cedo a esta cidade me faria aproveitá-la um pouco, sem o risco de perder o barco para a capital portenha. Mas, só parei quando meus pensamentos se materializaram completamente em meus escritos.
Perto das 8h saí para tomar um banho, em seguida comi, registrei minha saída e fui, de ônibus, em direção à rodoviária. Isso me demandou tempo suficiente para perder o transporte das 9h30min para Colônia.
Um pouco chateado, quase iria comprar passagem para as 11h30min quando achei melhor perguntar se não havia outra empresa que fizesse o percurso mais cedo.
Acabei viajando às 10h e chegando perto de 13h em Colônia. Minha meta seria deixar as mochilas em um guarda volumes ou despachar no porto com a empresa responsável pela travessia.
Tudo em vão. A empresa que faz a travessia estava sem pessoal para fazer "check in" naquele momento e, na rodoviária, bem próxima ao porto, nao havia vagas para colocar as mochilas.
Duas opções me restavam: ficar parado das 12h45min até as 17h, quando sairia o barco, ou aproveitar a cidade como desse, cheio de mochilas e de peso. Claro, optei por caminhar com as mochilas.
Nao iria deixar que aquele instante passasse por mim sem que eu o aproveitasse de alguma forma. Ainda que já estivesse cansado de viajar, ainda que estivesse com vontade de voltar para casa... não poderia deixar a oportunidade de conhecer outro lugar passar por mim.
Percorri o centro antigo, de colonização portuguesa, onde se travaram batalhas entre portugueses e espanhóis pela região uruguaia. Enquanto fazia isso, procurava um lugar para deixar as mochilas, mas só me deparei com uma pessoa que se ofereceu para isso quando já se aproximava a hora de voltar ao porto.
Tive que fazer toda a minha andança com o peso mesmo. Até que, quase caindo, resolvi passar numa sorveteria, descansar um pouco e tomar quase meio quilo de sorvete. Esse seria o meu almoco.
Em seguida, voltei a caminhar e, já sem rumo, voltei ao porto.
Perto de 17h, embarquei em direção a Buenos Aires. No caminho, conheço Oda, da Suíca, que vai se juntar a uma amiga na capital portenha e seguir novas viagens, bem como uma senhora da província de Neuquén, no sul da Argentina, em que está situada Bariloche.
Foi quase uma hora de muita conversa e de compartilhamento. Nem vi o tempo passar. Neste momento, falávamos sobre a forma das pessoas, sobre as impressões de cada um acerca das pessoas dos distintos países que conhecíamos, que visitávamos, Oda e eu, e compartilhávamos com as interpretações que tinha a senhora sobre as pessoas argentinas e uruguaias.
Já no porto, Oda foi embora que nem se despediu (forma de ser muito estranha de alguns europeus), enquanto a senhora, ao sair, desejou sorte e uma linda permanencia em Buenos Aires.

Satisfeito pela existência de mais encontros, apesar do meu problema em iniciar conversas, da minha dificuldade, agora mais clara na cabeça, de impulsionar, em primeiro momento, os contatos, peguei minhas mochilas e segui pelo centro de Buenos Aires até o Clan. Pelo caminho, não encontrava aquela cidade tranquila que vi no domingo pela manhã. O barulho, a loucura, a presenca de muitas pessoas... tornavam Buenos Aires a cidade louca de que tanto os que vivem aqui falam.
Também, no caminho presenciei dois protestos. O primeiro na praca de Maio, movido por funcionários de um cassino recén-fechado e outro, na Avenida de Maio, cercado pela polícia de choque. Eram jovens que cantavam, tocavam tambores, mas não carregavam faixas, não carregavam cartazes ou outras formas visuais de demonstrar suas reivindicações. Por isso, não consegui descobrir o que exigiam.
Segui meu caminho até o Clan e, pela primeira vez, nao fui bem recebido por aqui. Mesmo quando nao tinha reservas e não tinha vaga, Nico, um dos gerentes daqui, sabendo que já havia estado no local antes, me conseguiu um colchão e tratou de resolver o problema. Ontem, infelizmente, mesmo com reserva não havia vagas e fui antendido por Gonzalo. Este, muito bruto, antes que resolvesse as coisas, tratou de, primeiro, ser mal-educado, de dizer um monte de bobagens, entre elas, que a palavra de que tinha feito a reserva não valia, que só tinha validade a palavra comprovada por um e-mail ou por anotação do pessoal local.
Embora pedisse para que olhasse o caderno de reservas, ele, o que fez foi me pedir que não fôssemos procurar culpados uma hora daquelas.
No final, conseguiu um colchão e me colocou no mesmo quarto em que estava antes de sair para Montevidéo, agora, na parte de cima.
Muito chateado, dialoguei sobre o assunto com Vinícius. Mas, não deixei que isso me tirasse completamente do propósito de aproveitar o final da minha estada em Buenos Aires. Ao mesmo tempo, estava tão cansado que comi, tomei um banho e apaguei.
No meio da noite, chega Owen, com toda a sua atenção e simpatia. Ele me acorda e me oferece a sua cama. Ele iria dormir na casa de sua namorada e deixaria seu lugar vazio.
Como já estava bem instalado no meu colchão, agradeci e lhe pedi apenas que apagasse a luz.
Ele, com mais prova de respeito pelas pessoas, voltou o ventilador para mim, me perguntou se estava melhor para dormir e saiu.
Satisfeito por merecer o carinho de uma pessoa que conhecia muito pouco, voltei a dormir.

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