domingo, 30 de dezembro de 2007

De capitán para capitán

Neste sábado, acordei bem cedo para repirar os ares poéticos de que fez uso Neruda.

Ainda com o sol meio escondido, tomei rumo em direcao a Isla Negra, onde Pablo Neruda construiu sua casa.

As nuvens que caco pareciam querer encontrar-se com o mar para o qual Neruda tinha seus olhos voltados.

Durante todo o percurso, a neblina e as brancas nuvens foram companheiras de pensamentos cujo intento era deixar-se inebriar da poesia de Neruda.

Olhando aquilo, me perguntava se era uma forma de presente que o universo me preparava naquele dia. Afinal, era um cacador de nuvens e elas estavam todas aí. Quem sabe, transportando a mao dadivosa e inteligente do velho Neruda ou, como disse, promovendo o encontro das nuvens que tenho encontrado por esta vida com o mar azul e imensa da poesia desse grande Chileno.

Por tempos, quando cheguei a Isla Negra, fiquei olhando aquele mar, a casa de Neruda, as pedras... tentava imaginar como aquelas águas traziam a poesia áquele senhor que, ainda seguia vivo nao só pela escultura de seu rosto numa pedra, mas porque segue lembrado por muitos (como dizem os adeptos do candomblé, alguém está vivo enquanto povoam as lembrancas das pessoas).

Parecia convidado a entrar em sua casa e resolvi aceitar o chamado ao sonho poético de homem que recebia presentes do mar com que adornava a sua casa. Por todos os lados, havia esculturas de proa e de popa de grandes navios, garrafas com réplicas, conchas, dentes de peixes... ainda que nao soubera nadar, sua grande paixao era o mar, eram os barcos. Até garrafas doadas por Jorge Amado, com areia da Bahia com a qual se desenhavam barcos, ele tinha, juntamente com presentes toados por muitos outros poetas, como Gabriela Mistral e poetas franceses.

Fotos de Baudelaire, Victor Hugo, objetos de todas partes do mundo habitavam a casa em formato de barco que, o poeta, com sua própria ingeniosidade arquitetou.

As portas eram estreitas, como as dos barcos, a sala tinha uma mesa redonda para que o capitao jantasse com seus tripulantes e com seus convidados, do lado de fora, um pequeno barco que nunca foi para água e um conjunto de sinos para que o capitao pudesse se comunicar com os barcos que passavam pela costa chilena.

Sobre o barco, local que usava para beber com os amigos, Neruda dizia que nao necessitava ir para o mar para deixá-lo mareado. E, os sinos, ao lado do barco, eram a língua através da qual falava de capitao para capitao.

Neruda era um capitao, segundo ele mesmo, que comandava o seu barco de terra. Da sua cama, posta diante de vidros da direcao nascente/poente, de onde sentia o sol nascer e se pôr, queria ver o mar. Aliás, de todos os lugares onde gostava de ficar, tinha a visao daquilo que o inspirava, o mar, desenhado pelo verde da tinta que, para o poeta, era a cor da esperanca.

Tudo isso me deixava pronto para descobrir o Neruda que nao conhecia além do fato de ter sido comunista, de ter lutado para que o povo do Chile se libertasse, de ter sido Prêmio Nobel de Literatura.

Naquele momento, Neruda me libertava da dificuldade que tenho para a literatura, embora me encante escrever. Neruda me fazia, ao mesmo tempo, ignorante de sua poesia. Neruda me fazia ter consciência de que é preciso mais que a filosofia, do que a sociologia, do que as ciências, de modo em geral, para conhecer a vida.

E, saí daí com as nuvens rondando sobre minha cabeca, mareado do barco que foi a vida e a obra de Neruda. Certo do encontro das nuvens com o mar. Certo do diálogo de capitán para capitán.

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