segunda-feira, 24 de dezembro de 2007

Um dia em Valdívia

Quando alguém chega a uma cidade, o primeiro que pensa é estar o mais cedo possível para aproveitar o dia. No Chile, como na Argentina, o dia, nesta época do ano, é muito longo. O horário é semelhante ao do nordeste brasileiro. Nao têm horário de verao e, até quase às dez da noite tem sol. Assim que as pessoas podem dormir, literalmente, quando anoitece, se querem. Tal como é, ainda, nos lugares em que nao há luz elétrica no sertao do nordeste e as pessoas precisam ir para a roca muito cedo, ainda antes do amanhacer do dia.

Bom, mas o dia de ontem em Valdívia comecou com uma gostosa caminhada pela "via costanera", nas margens dos rios Calle Calle e Valdivia. Aí encontrei a moca alema que veio do meu lado até Osorno. Estava com seu companheiro. Cumprimentamo-nos e segui.

Mais adiante, próximo a uma ponte (Prochelle), vi alguns lobos marinhos dormindo na beira do calcadao. Segundo, Yesi, a moca do hostel, foi preciso fazer uma cerca para que um dos grupos nao viesse para a rua. Antes, logo quando apareceu o primeiro grupo, eles ficavam tomando sol na rua e os carros tinham que esperá-los sair.

Hoje, uma parte deles, que fica mais próxima do cais de lanchas, nao tem tanto contato com os seres humanos, mas nao atacam. De qualquer modo, nao se pode aproximar muito. É difícil prever o que podem fazer.

Depois de observar os lobos, caminhei até o mercado municipal de peixes, frutas e mariscos. Neste lugar, observei que os chilenos parecem ser pessoas muito tristes. Nao sei se é só uma impressao, mas eles nao sorriem. Estao sempre sisudos, seus semblantes sao sempre de preocupacao. Aliás, Yesi é uma excecao. Está todo o tempo sorrindo, brincando... enquanto as pessoas que vi na rua, normalmente, parecem tristes.

Percorri toda a "vía costanera" até pouco depois de uma torre, nas proximdades da Universidade Austral do Chile. Vi que aí tinha uma feira de atiguidades e parei um pouco pra olhar as coisas. De igual modo, as pessoas pareciam tristes. Quase nao falavam. Era um silêncio inenarrável, que se rompia apenas quando alguém perguntava algo. Assim mesmo, falavam muito baixo quando respondiam as perguntas feitas.

Acabei voltando para o centro, que, quando deixei o hostel, estava muito parado. Até tive impressao de que nao abriam aos domingos. Queria conhecer esta parte da cidade em um momento em que estivesse mais viva.

Ao cheguer perto da catedral, vi que a missa estava terminando. Entrei para conhecer o que parecia ser uma igreja com arquitetura inovadora.

Comprovei que, de fato, era muito atual e bonita sua estrutura. Porém, mantinha o conservadorismo que, tradicionalmente, a Igreja Católica tem no Chile. Dos lados, um pavimento semelhante a camarotes, evidentemente, sem divisoes. Algumas pessoas tinham carros e roupas muito luxuosos. E, na porta, o padre cumprimentava a todos os fiéis.

Pouco tempo depois de terminada a missa, alguns índios chilenos organizaram-se em um cantinho da catedral e comecaram a tocar música andina. Fiquei por aí um tempo até ir para a ilha Teja, do outro lado do rio Valdivia. Queira conhecer os parques da cidade. Passei pelo Prochelle, Santa Inês (neste entrei - era uma praca) e o Saval. Acabei chegando até o Saval, mas optei em nao entrar porque já estava muito cansado.

Voltei para o centro e ía em direcao ao hostel, quando vi um posto telefônico. Como fazia tempo que só me comunicava com a minha casa por e-mail, através de amigos, e, também pelo fato de ser próximo ao Natal, resolvi telefonar. Mas, nao consegui falar com minha mae. Acabei ligando para a casa de minha avó, falei com ela e com minhas tias. Fiquei muito feliz por isso! Era como ter um reencontro com meu país e com minha família.

Desci a rua, ainda com os pensamentos no Brasil, sem consegui falar nada de espanhol por isso e vi um homem dando comida e bricando com os lobos marinhos. Fiquei aí por um instante, observando essa relacao que ele tinha com os animais. Em alguns momentos, percebi que ele dava comida, mas queria que os animais deixasse que ele lhes tocasse. Eram tentativas em vao. Os lobos marinhos nao queriam tanta intimidade.

Voltava para o hostel quando vi um outro grupo de chilenos tocando música andina. Eram muito bons. De repente um deles, que oferecia cds, comecou uma conversa comigo. Chamava-se Ramiro. Na conversa, me disse que o grupo era formado por pessoas de todas as partes do Chile e viviam percorrendo o país mostrando sua música. Acontece que em Valdivia, as pessoas nao parecem valorizar os grupos que tocm nas ruas. Algumas pessoas contribuem com moedas, mas a maioria fica como se nao houvesse nada na praca. Quando Ramiro abordava as pessoas para oferecer o cd, algumas davam um sorriso irônico e diziam simplesmente "no".

Enquanto isso, passavam carros com sons muito altos, tipo aqueles que via em Joao Pessoa e, um pouco menos, em Aracaju, normalmente com a música da pior qualidade. Da mesma forma eram as lojas. A música era péssima. Ultra-comercialista! O que me pareceu que, em nome da cultura de massas (aparentamente capaz de "universalizar" as pessoas, enquanto a música local é vista como uma maneira de "localizar" as pessoas), as pessoas negam suas próprias raízes. Seus belos tracos culturais. É assim também no Brasil.

Ao voltar um pouco reflexivo para o hostel, fiquei conversando com Yesi e, quando se foi, com um amigo de Mauro, o outro rapaz que trabalha no hostel. Enquanto conversava com Yesi, chegou Tim da Holanda. Falava muito bem o espanhol, enquanto as outras meninas que estao aqui, com excecao de Laura que se foi ontem pela manha, nao falam nada de espanhol. Foi um alento, porque era alguém para conservar.

Depois, fui relembrar um pouco da música brasileira, organizar minha mochila, que estava meio desordenada, conversei mais com Tim...

Durante a noite, fiz um "bocadillo", assisti à televisao (estava passando uma retrospectiva das notícias mais importantes do ano, segundo o olhar da tv, claro), enquanto tentava escrever algumas reflexoes. Tim tentava relembrar algumas músicas para tocar no violao e me pedia auxílio para cantar. Mas, como minha cultura inglesa é péssima, nao conheco nenhuma música em inglês. Acabei cantando "no woman no cry" (na versao de Gilberto Gil, a única que sei de cabeca para o violao).

Um comentário:

Luiz Otávio disse...

Vejo que tens te virado bem com a grana curta!
Já estás no Chile!
Cara, te confesso que gostaria de estar percorrendo esses caminhos também. Farei isso um dia! Sua dicas serão muito bem-vindas!
Espero que essa tua viagem confirme seus ideais e a tua vontade de seguir na luta!
Abraço companheiro!

Luiz Otávio

"Tenho vinte e cinco anos de sonho, de vento, e de América do Sul, por força desse destino um tango argentino me cai bem melhor que um blues" Oswaldo Montenegro