domingo, 30 de dezembro de 2007

Um encontro às avessas

Depois que cheguei da rua na sexta-feira, dia 28 de dezembro, estava muito cansado, mas queria ficar um pouco nos corredores do hostel. Esta era uma maneira de tentar falar com as pessoas, encontrar alguém que pudesse compartilhar algum momento daquele dia.

Por um momento, fiquei assistindo à TV, mas ninguém queria conversar.

Desci e fiquei perambulando... de repente, vi umas meninas que parecia com duas que encontrewi no cerro Santa Lucía. Fiquei olhando..., até que tive a certeza de que eram brasileiras e me aproximei. Nenhuma simpatia brotou das compatriotas. Pareciam aquelas meninas bossais da elite brasileira, mas gostosas e mais bonitas de que todas, inalcansáveis, pela forma como agiram.

Em outro momento, vi passar um cara com uma camisa que ostentava a moda Brasil. De imediato, perguntei se era brasileiro e, quando me disse que sim, comecamos uma conversa.

No meio da conversa, notei que seu sotaque nao era brasileiro e insisti em saber de onde era. Acabou me dizendo que era francês, mas que morava no Brasil. Seu nome era Olivier e trabalhava numa empresa de telecomunicacoes francesa.

Mais um par de horas de conversa e fui descobrindo o cara. Tomei um susto quando, de repente, me disse que o Brasil era um país maravilhoso para viver, mas tinha muitas criancas trabalhando. Quando falamos mais sobre o assunto, ele disse que gostava que as criancas trabalhassem porque, assim, elas nao estariam fazendo outras coisas.

Neste momento, comecei a promover um debate sobre esta visao preconceituosa e sanitarista da crianca pobre. Falei um pouco da história de exclusao social do Brasil, da utilizacao da lei para assegurar os processo de exclusao, da falta de um debate, com alteracao das condicoes de vida, sobre o tema da igualdade e da justica social... falava do trabalho como forma de regular a cidadania em certo momento da história.

Depois de tudo isso, Olivier me sai com uma frase com a qual nenhum ser humano que conhece o mínimo da história de um país como o Brasil ou da maior parte dos países pobres do mundo, pode considerar uma frase aceitável. Ele disse que nunca se poderia sacrificar a estabilidade econômica para que as coisas mudassem. Segundo ele, Lula jamais faria leis que pudessem alterar a imagem do Brasil para o investidor estrangeiro.

Mais uma vez, ponderei algumas coisas, mas percebi que ele já acreditava conhecer suficientemente o Brasil para ter suas próprias idéias. Tudo isso porque já tinha viajado por quase todos os estados a trabalho.

Quando perguntei sobre as pessoas, sobre comportamentos, sobre a vida, evidente, ele nao sabia dizer. Mas, continuava acreditando que conhecia o Brasil.

Ontem, mais ainda, quando, depois que cheguei da longa caminhada do dia, pudemos conversar mais. No quarto em que estava, tinha colocado mais três brasileiros e ele. Toda vez que falávamos sobre as cidades que cada um estava conhecendo, sobre as cidades no Brasil de onde éramos provenientes, ele sempre saía com um preconceito maior que o outro.

Enquanto relatava sobre a minha morada no Nordeste brasileiro e as cidades que aí se encontram, especialmente as cidades que conheco mais de perto como Joao Pessoa, Aracaju, Salvador, ele foi taxativo em dizer que estas Joao Pessoa e Aracaju eram cidades feias, que nao tinham nada pra fazer, que estao entre as piores cidades que conheceu no Brasil, que tem pessoas feias... super-preconceituso.

Pior! Em seguida, comecou a falar que a cidade que ele mais gostava no Brasil era Sao Paulo, que, juntamente com Porto Alegre, estava entre as poucas "civilizadas". E, nao se contentou com os preconceitos. Disse que, na América Latina a melhor cidade era Buenos Aires porque era a que estava mais próxima de uma cidade européia. Para ele Santiago era péssima, a Bolívia era um lugar péssimo, o Peru, o Paraguai nem podia falar...

Sobre o Paraguai, ele me perguntava todo o tempo porque queria conhecer Assuncao. Segundo ele, a cidade é um lixo, as pessoas sao feias, a cidade é feia, tudo é pobre.

Neste momento, notei que para ele o padrao de civilidade e beleza era o padrao europeu e, nao entendi porque percorria a América Latina, com feicoes e cultura tao diversa da cultura européia em alguns lugares.

Enquanto Micheal (EUA), que conheci em Valdívia, era um ser tao especialmente compreensível com as diferencas culturais e étnicas, Oliver só conseguia ver beleza no sul do Brasil e em Buenos Aires.

Evidentemente, nao tenho nada contra o sul do Brasil e contra as pessoas e a arquitetura de Buenos Aires. Gosto desses lugares, gosto das pessoas, acho as pessoas bonitas, mas isso nao significa que nao ache as pessoas de origem indigena, com sua cultura forte e marcante na Bolívia, no Chile, no norte da Argentina, no Peru e outras partes bonita. Cada povo com sua incomparável beleza.

Nao se pode acreditar que alguém seja mais bonito ou viva em uma cidade melhor pelo grau de civilizade e pelo um grau de organizacao em relacao à Europa.

Apesar de tudo isso e de insitir diplomaticamente que era preciso conheceras pessoas pelo que elas sao, ela se dizia um grande conhecedor do Brasil, auxiliado por um outro brasileiro, jovem médico e doutor em medicina, que nao parece ter experimentado tantas experiências de viajar pelo Brasil.

De fato, o rapaz nao concordou diretamente, mas dizia que Olivier deveria conhece melhor o Brasil do que ele que nao tinha viajado tanto por certos lugares no Brasil. E, evidente, Olivier dizia: "é claro. Eu conheco mais o Brasil do que você".

Diante disso, tentava relativizar algumas coisas porque nem mesmo nós que nascemos e vivemos o Brasil, podemos conhecê-lo tanto. Afinal, temos uma complexidade tao grande, uma diversidade cultural e de modos de vida tao grandes que ninguém pode se dizer um perfeito conhecedor de brasilidade. Mas, se alguém conhece mais, esse alguém somos nós brasileiros que sentimos, ao nosso modo, equivocado ou nao, o nosso país. Digo que equivocado ou nao porque ninguém pode ter maior imersao cultural e em nosso modo de viver e em nossas desigualdades, ainda que as perceba de modo diverso, do que nós que nascemos, fomos criados e sentimos a nossa vida passar por este país.

Alguém que estuda o Brasil pode conhecer muito bem o Brasil, também. Mas, nunca poderá vivenciá-lo como nós. E, isso nos faz conhecer, inclusive, como as idéias se colocam na prática.

Isso queria dizer aos companheiros brasileiros que estavam no quarto e ao próprio Olivier. Mas, nao quis ser chato. Apenas, fui mais efusivo em negar as impressoes que ele tinha quando ele comecou a falar mal de Joao Pessoa. Muito claramente lhe disse que já tinha andado o Brasil quase todo e que nunca tinha encontrado gente tao bonita, tao calorosa, tao amiga, como as pessoas que encontrei em Joao Pessoa.

E, completei: Joao Pessoa pode ser uma cidade conservadora, mas tem uma gente maravilhosa. Se isso ele nao teve a oportunidade de conhecer, lamentava muito. Porque um país pode ser melhor conhecido tanto mais se pode conhecer a sua gente.

Um comentário:

Shionara disse...

Que cara preconceituoso....

"ele foi taxativo em dizer que estas Joao Pessoa e Aracaju eram cidades feias, que nao tinham nada pra fazer, que estao entre as piores cidades que conheceu no Brasil, que tem pessoas feias... super-preconceituso."

E vc sempre muito singelo...

"Muito claramente lhe disse que já tinha andado o Brasil quase todo e que nunca tinha encontrado gente tao bonita, tao calorosa, tao amiga, como as pessoas que encontrei em Joao Pessoa."

Se eu estivesse neste debate não sei como seria minha reação...

=)